segunda-feira, 7 de novembro de 2011

7 circulo dantescode saturno

Amigos!
Reunidos outra vez aqui, haveremos de conversar profundamente em relação
à esfera submersa de Saturno.
Certamente não estamos falando sobre condenação eterna ou castigos sem
fim.
Inquestionavelmente, a condenação eterna em si mesma não existe e todo
castigo, por grave que este seja, há de ter um limite, mais além do qual reine
a felicidade.
Diferimos, pois, em relação à ortodoxia clerical neste sentido, radicalmente.
Indubitavelmente, os processos involutivos da vida, realizados nas entranhas
da Terra, nas infradimensões submersas, sob a crosta geológica de nosso
mundo, concluem com a morte segunda, depois da qual, libertada a Essência,
restaurada a prístina pureza do material psíquico, reiniciar-se-ão,
inevitavelmente, novos processos de tipo completamente evolutivo.
Resulta, pois, palmária e evidente nossa oposição ao dogma de uma
condenação absolutamente eterna.
Surge à simples vista nosso modo de compreender a expiação de culpas.
Jamais poderíamos conceber que alguma conta expiatória, por grave que
esta fosse, não chegasse, por último, a um final.
É claro que a Justiça Divina jamais falharia. Toda culpa, por grave que esta
seja, tem seu equivalente matemático exato expiatório. Não é possível pagar
mais do que se deve e, se a divindade cobrasse mais do que o devido,
obviamente não seria justa.
Comecei assim nossa conferência de hoje, meus queridos amigos, em forma
de preâmbulo, antes de entrar na esfera submersa de Saturno, com o
propósito iniludível de que vós compreendais nosso ponto de vista
esotérico-ocultista, oposto radicalmente a todo dogmatismo sectário. Vamos,
pois, agora, aprofundar um pouco mais nesta questão de esferas submersas.
Em nossa passada conferência estudamos detidamente o sexto círculo
dantesco e hoje convém que penetremos ousadamente no sétimo ou de
Saturno.
Se lemos cuidadosamente a Divina Comédia de Dante, encontraremos tal
região convertida num oceano de sangue e fogo.
Permita-se-nos a liberdade de dizer que este ponto de vista é
completamente alegórico ou simbólico; sim, quer-se significar o fato concreto
e definitivo de que na mencionada região saturnina prevalece, de forma
definitiva, certa cor avermelhada sangüinolenta que caracteriza
marcadamente a paixão animal violenta.
Quando falamos em cores, devemos saber que por cima do espectro solar,
nas dimensões superiores da natureza e do cosmos, resplandece toda a
gama do ultravioleta e que por baixo do espectro solar, brilha fatalmente a
gama do infravermelho. Este último é característico das infradimensões da
natureza, sob a crosta geológica de nosso mundo.
Assim, pois, aquela cor vermelha passionária sangüinolenta da submersa
região saturnina não poderia ser exibida em nosso mundo tridimensional de
Euclides.
Tal cor encontra seu oposto em outra similar da gama do ultravioleta, sobre a
citada região tridimensional.
Resulta interessante saber que todo aquele que ingressa no sétimo círculo
dantesco leva, em sua aura radiante, a citada cor de sangue abominável, que
o torna certamente afim com essa zona submersa de nosso planeta Terra.
É, pois, o sétimo círculo dantesco, a morada dos violentos contra a natura,
dos violentos contra a arte, dos fraudulentos, dos violentos contra Deus, dos
violentos contra si mesmos, contra seus próprios bens ou contra os bens
alheios.
Movendo-me com o corpo astral de forma consciente e positiva nesta região
submersa, pude evidenciar a violência reinante em tão espantosa zona de
amarguras.
Ainda recordo dois demônios notáveis, dos quais me acerquei
diplomaticamente, com o propósito de não ferir susceptibilidades e provocar
reações psicológicas desnecessárias. Pronunciaram-se estes contra o Cristo
Cósmico, negaram-no enfaticamente, sentindo-se perversamente satisfeitos
de sua miserável condição satânica.
Por todo lugar reinava a violência no ambiente sangrento submerso. Viam-se
aqui, lá e acolá destroços desnecessários, golpes espantosos contra as
coisas, contra as pessoas, contra tudo.
Senti como se a influência saturnina, com suas forças definitivamente
centrífugas, se propusesse, nessa região, desintegrar tudo, reduzir a poeira
cósmica pessoas, móveis, portas, etc., etc., etc.
Muito me assombrei ao encontrar aí uma criatura muito respeitável, cujos
olhos ainda ferem a suave luz do dia.
Tratava-se de um médico muito famoso, um verdadeiro samaritano, que em
vida só se propôs curar os enfermos com verdadeiro amor e sem exploração
alguma.
Causaria assombro isto que estou dizendo. Muitos poderiam objetar,
dizendo-me: Como é possível que, sendo alguém bom, vá dar na região dos
maus? Também se poderia argumentar sobre a questão até da vida e da
morte. Aquele bom senhor de outrora ainda vive, ainda respira sob o sol.
Então, por que mora no sétimo círculo dantesco?
É necessário dar resposta a tais enigmas, aclarar, indagar com precisão,
inquirir, investigar.
Se pensamos na multiplicidade do eu, não é estranho que qualquer destes
agregados psíquicos, relacionado com o delito da violência contra a natureza,
esteja vivendo em sua correspondente região submersa, mesmo que a
personalidade ainda viva sobre a face da Terra.
Obviamente, se este doutor não dissolve o eu pluralizado, terá que descer
com a onda involutiva às entranhas do mundo, para ressaltar, muito
especialmente, no sétimo círculo dantesco.
Há muita virtude nos malvados e há muita maldade nos virtuosos. Concluído
o ciclo de 108 existências que são atribuídas a toda alma sobre a face da
Terra, é inquestionável que se desce com a onda involutiva, ainda quando se
tenha formosas virtudes.
Não é demais que recordemos Brunetto Latini, aquele nobre senhor que com
tanto amor ensinara ao Dante Florentino o caminho que conduz à
imortalidade do homem. Nobre criatura submergida naquele abismo pelo
delito de violação contra a natureza.
P. – Mestre, poderia explicar-nos quando cometemos o delito de violência
contra a natureza?
V.M. – Com o maior prazer me apresso a dar resposta à dama que fez a
pergunta. Existe violência contra a natura quando violentamos os órgãos
sexuais. Existe tal delito quando o homem obriga sua mulher a efetuar a
cópula, não estando ela com disposição de fazê-lo. Existe tal delito quando a
mulher obriga o homem a efetuar a cópula, não se achando este com
disposição de fazê-lo.
Existe tal delito quando o homem se auto-obriga, violentando-se a si mesmo,
para efetuar o coito, não se encontrando o organismo em condições aptas
para isso. Existe tal delito quando a mulher se auto-obriga para efetuar a
cópula, não se achando seu organismo em condições realmente favoráveis.
Existe tal delito naqueles que cometem o crime de violação sexual, posse de
outra pessoa contra a vontade da mesma.
Como entre as cadências do verso também se esconde o delito, não é, pois,
de estranhar que se cometam violências contra a natura quando se obriga o
falo a entrar em ereção, não se achando este último em condições realmente
favoráveis para o coito.
Existe violência contra a natura quando, com o pretexto de praticar magia
sexual, ou ainda com as melhores intenções de se auto-realizar,
auto-obriga-se o varão a realizar a cópula química, ou obrigue sua mulher
com este propósito, não se achando os órgão criadores no momento amoroso
preciso e em condições harmoniosas favoráveis, indispensáveis para a
cópula.
Existe violência contra a natura naquelas damas que, necessitando de
auto-realização íntima, violentam sua própria natureza, auto-obrigando-se
desapiedadamente para realizar a cópula, não se achando certamente nas
condições requeridas para a mesma.
Existe violência contra a natura nos masturbadores, ou naqueles que realizam
a cópula química, estando a mulher na menstruação.
Existe violência contra a natura quando os cônjuges realizam a união sexual,
achando-se a mulher em estado de gravidez.
Existe violência contra a natura quando se pratica o Vajroli Mudra de tipo forte
várias vezes ao dia ou à noite, não se achando os órgãos sexuais em
condições realmente favoráveis e harmoniosas.
Existe violência contra a natura quando se pratica magia sexual duas vezes
seguidas, violando as leis da pausa magnética criadora.
P. – Mestre, no caso de que o cônjuge não tenha a potencialidade cabal e
esteja praticando magia sexual, está violentando assim também a natureza?
V.M. – Com o maior gosto me apresso a dar resposta ao cavalheiro que faz a
pergunta. Sucede que órgão que não se usa se atrofia. Se alguém, se
qualquer varão permanecesse abstêmio de forma radical e absoluta, é
ostensível que se prejudicaria a si mesmo, porque se tornaria impotente.
Obviamente, se tal varão quisesse curar-se de tão nefasto mal, bem poderia
lográ-lo praticando magia sexual: Conexão do falo e do útero sem ejacular o
sêmen.
É claro que, no princípio, tal conexão resultaria quase impossível, devido,
precisamente, à falta de ereção do falo.
Não obstante, ao tratar de fazê-la, acercando o falo ao útero, com o mútuo
intercâmbio de carícias, não existe violação contra a natura, senão
terapêutica médico-erótica, indispensável para realizar tal cura.
No princípio, esta classe de pacientes pode usar algum tratamento
médico-clínico, baseado nos conselhos do doutor, com o propósito
precisamente de conseguir as primeiras conexões sexuais.
É ostensível que, se o casal se retira antes do orgasmo para evitar a
ejaculação do sêmen, este último é reabsorvido no organismo, fortificando
extraordinariamente o sistema sexual, cujo resultado vem a ser exatamente a
cura.
Em todo esse processo, repito, não há violência contra a natura.
P. – Mestre, quando fala o senhor de violência contra a natura, refere-se
exclusivamente à violência do organismo humano?
V.M. – Distinto amigo! Quero que o senhor saiba, de forma clara e definitiva,
que, quando falamos de violência contra a natura, estamos referindo, de
forma enfática, a todo tipo de violência sexual, especificando claramente aos
órgãos sexuais dos seres humanos.
Não quero dizer com isto que não existam outros tipos de violências contra a
natura. Se alguém obrigasse, por exemplo, as criaturas inferiores da natureza
a efetuar cópulas artificiais, violentando o livre arbítrio, existiria violência
contra a natura. Se alguém inseminasse artificialmente os animais, como é
costume hoje em dia, existiria violência contra a natura
Existe violência contra a natura quando adulteramos os vegetais e as frutas
com os famosos enxertos, que inventaram os sabichões desta idade negra do
Kali Yuga.
Existe violência contra a natura quando nos castramos ou quando fazemos
castrar os animais.
São, pois, inumeráveis os delitos que entram nesta ordem de violência contra
a natura.
Ó amigos, cavalheiros e damas que me escutam! Pessoas que recebem esta
mensagem de natal 1973-1974! Recordai que, entre o incenso dos templos,
também se esconde o delito; entre os belos quadros que o pintor plasma em
suas telas, também se esconde o delito; entre as mais deliciosas harmonias
com que o músico nos deleita aqui neste planeta Terra, também se esconde o
delito; que, entre o perfume da prece que sussurra deliciosa nos templos,
também se esconde o delito.
O delito se veste de santo, de mártir, de apóstolo e, ainda que pareça incrível,
disfarça-se com vestes sacerdotais e oficia nos altares.
Recordai, amigos, senhores e senhoras, Guido Guerra, citado por Dante, neto
da pudica Gualdrata, nobre senhor, que durante sua vida fez tanto com seu
talento e com sua espada. Recordai também Tegghiaio Aldobrandi, cuja voz
deveria ser agradecida no mundo. Nobres varões que agora vivem neste
sétimo círculo infernal pelo delito de violência contra a natura.
P. – Mestre, se desintegramos o eu da violência contra a natura ou quase
todos os eus que mantêm engarrafada a nossa Essência, porém nos resta
algum, cairemos também em qualquer destes círculos dantescos?
V.M. – Distinta dama! Alegra-me sua pergunta que resulta muito oportuna.
Alguém poderia eliminar de sua psique aqueles agregados psíquicos
relacionados com o delito da violência contra a natura e, não obstante, cair
em qualquer dos outros círculos dantesco. Enquanto o ego animal exista em
nós, é óbvio que somos candidatos seguros para o abismo e à morte
segunda.
P. – Mestre, se já chegamos à última das 108 existências, que são atribuídas
a todo ser humano, e estamos trabalhando na Senda do Fio da Navalha,
dar-nos-iam outra oportunidade para terminar nosso trabalho?
V.M. – Nobre senhora, muito me apraz escutá-la! Saiba a senhora, com
inteira claridade, que as leis da natureza não estão governadas por tiranos,
senão por seres justos e perfeitos.
Se alguém, apesar de haver cumprido seu ciclo de 108 existências, entra na
Senda do Fio da Navalha e desencarna, achando-se no real caminho,
obviamente será ajudado, atribuindo-se-lhe novas existências, com o
propósito de que consiga sua auto-realização íntima. Mas, se se desviasse
do caminho secreto, se renegasse, se não dissolvesse o ego e reincidisse em
seus meus delitos, inevitavelmente cairia no abismo de perdição.
P. – Pelo antes exposto no curso desta conferência, chego à conclusão de
que, uma vez que involucionamos nos abismos atômicos da natureza, somos
realmente habitantes de todos os círculos dantescos de nosso organismo
planetário. Estou no correto. Mestre?
V.M. – Quero dizer ao senhor que faz a pergunta que certamente está no
justo. Quando alguém ingressa na involução submersa da natureza, desce no
tempo lentamente, de círculo em círculo, ressaltando muito especialmente
naquela zona onde especificamente se encontra seu pior delito.
P. – Mestre, que nos diz o senhor dos homossexuais e lésbicas? Estes
cometem violência contra a natura?
V.M. – Distinto senhor! Sua pergunta me parece bastante interessante. É
urgente compreender que homossexuais e lésbicas submergem
inevitavelmente, no sétimo círculo dantesco, ou de Saturno, precisamente
pelo delito de violência contra a natura.
Quero que os senhores compreendam que esta classe de degenerados,
inimigos do Terceiro Logos, são realmente casos perdidos, sementes que não
germinam.
P. – Mestre, as lésbicas e os homossexuais vêm assim por lei cármica ou tem
alguma relação o engendro desses filhos, como hereditário? Qual dos dois
fatores impera?
V.M. – Escuto a pergunta que faz o missionário gnóstico internacional Efrain
Villegas Quintero aqui, na Sede Patriarcal do Movimento Gnóstico, na cidade
do México. Senhores, senhoras! Convém saber que aqueles humanóides que
em vidas anteriores se precipitaram violentamente pelo caminho da
degeneração sexual, obviamente involucionando de existência em existência,
vêm, por último, como homossexuais e lésbicos, antes de entrar nos mundos
infernos.
É, pois, o lesbianismo e o homossexualismo o resultado da degeneração em
vidas precedentes, conseqüência cármica fatal ... Isso é tudo!
P. – Mestre, se uma lésbica ou um homossexual lograsse, por um momento,
ter conhecimento de seu castigo, pelo carma de sua degeneração, pedisse à
lei uma ajuda, esta poderia conceder-lhes a graça de voltar ao seu estado
normal, ou não têm a suficiente força para pedir esse benefício?
V.M. – Senhores, senhoras! Existe um provérbio que diz: "A Deus rogando e
com o malho dando". A misericórdia divina está ao lado da justiça; porém ,
"obras são amores e não boas razões".
Se qualquer um desses degenerados do infra-sexo se arrependesse de
verdade, que o demonstre com fatos concretos, claros e definitivos. Que se
case imediatamente com uma pessoa do sexo oposto e que de verdade se
meta pelo caminho da autêntica e legítima regeneração sexual.
Que este tipo de delinqüentes clame, ore e suplique é correto; porém que
faça, que demonstre com fatos seus arrependimento. Só assim é possível a
salvação para esta classe de criaturas.
Não obstante é muito difícil que homossexuais e lésbicas tenham já ânimo,
anelo verdadeiro de superação.
Indubitavelmente se trata de pessoas completamente degeneradas, nas quais
já não trabalham certas áreas do cérebro. Sementes apodrecidas, onde é
quase impossível encontrar um anelo de regeneração.
Alguns sujeitos destas classe fizeram de seu delito uma mística disfarçada
com roupagem de santidade. Estes últimos expoentes da podridão humana
são ainda piores e mais perigosos.
Não devemos, pois, forjar ilusões sobre essas pessoas. São casos perdidos,
abortos da natureza, fracassos rotundos.
P. – Mestre, segundo isso, aqueles que rechaçam o sexo oposto perderam
toda a esperança de realização, ou fica alguma porta aberta?
V.M. – Distinto amigo, escute! O infra-sexualismo está simbolizado, na cabala
antiga, pelas duas mulheres de Adão: Lilith e Nahemah. Lilith, em si mesma,
alegoriza, francamente, o mais monstruoso da degeneração sexual.
Na esfera de Lilith achamos muitos ermitões, anacoretas, monges e monjas
enclausuradas, que odeiam mortalmente o sexo.
Também achamos, na citada esfera, todas aquelas mulheres que tomam
abortivos e que assassinam suas criaturas recém-nascidas, verdadeiras
hienas de perversidade.
Outro aspecto da esfera de Lilith corresponde aos pederastas, homossexuais
e lésbicas.
Inquestionavelmente, tanto os que rechaçam o sexo violentamente, como os
que abusam dele, caindo no homossexualismo e no lesbianismo, são casos
perdidos, criaturas terrivelmente malignas. Para esta classe de pessoas,
todas as portas estão cerradas, menos uma, a do arrependimento.
A esfera de Nahemah está representada por outro tipo de violentos contra a
natura, os fornicários irredentos, os fornicários da abominação, etc. Pessoas
que se acham muito bem definidas no tipo Don Juan Tenorio ou Casanova e
até no tipo Diabo, que é o pior do pior.
Senhores e senhoras! Continuemos agora falando um pouco sobre a
violência contra Deus. Ao chegar a esta parte de nossa conferência quero
recordar Capaneu, o ancião de Creta, um dos sete reis que sitiaram Tebas e
que agora vive na zona submersa, ou de Saturno, sob a crosta geológica de
nossa Terra.
O Dante Florentino, discípulo de Virgílio, o grande poeta de Mântua, em sua
Divina Comédia, cita este caso terrível, relacionado com tal tema particular.
Aquela sombra gritou: "Tal qual fui em vida, sou depois de morto. Ainda
quando Júpiter cansasse seu ferreiro, de quem tomou em sua cólera o agudo
raio que me feriu no último dia de minha vida; ainda quando fatigasse um
após outro todos os negros obreiros do Mongibello, gritando: Ajuda-me,
ajuda-me, bom Vulcano! Segundo fez no combate de Flegra, e me alvejasse
com todas as suas forças, não lograria vingar-se de mim completamente". A
soberba e o orgulho dos vilentos contra o divinal é, na sétima infradimensão
submersa, a pior tortura. Existe violência contra a divindade quando não
obedecemos às ordens superiores; quando atentamos contra nossa própria
vida; quando blasfemamos iracundos.
Existem muitos modos sutis de violência contra o divinal. Indubitavelmente, o
violento contra Deus, o que não quer nada com assuntos místicos ou
espirituais, o que supõe que pode existir sem a misericórdia divina e que, no
fundo de sua alma, se subleva contra tudo aquilo que tenha odor de
divindade. Existe violência contra Deus naquele sujeito auto-suficiente que
sorri estupidamente e de forma cética, quando escuta assuntos que de
alguma forma tenham a ver com os aspectos espirituais da vida.
Existe violência contra Deus nos velhacos do intelecto, nesses sabichões que
negam toda possibilidade espiritual do homem, nesses que crêem haver
monopolizado o saber universal, nos modelos de sabedoria, nos ignorantes
ilustrados que não somente ignoram, senão, além disso, ignoram que
ignoram. Nos iconoplastas que fazem mesa rasa quando analisam princípios
religiosos, porém que deixam seus sequazes sem uma nova base espiritual.
Existe violência contra Deus nos marxistas-leninistas, pseudo-sapientes que
tiraram da humanidade os valores espirituais.
Vem-me à memória, nestes momentos, um encontro, nos mundos
submersos, com Karl Marx.
Encontrei-o nessas regiões tenebrosas. Aquele sujeito havia despertado no
mal e para o mal. Sem dúvida, era um boddhisattwa caído.
Seguia-o Lênin, como uma sombra nefasta, inconsciente, profundamente
adormecido.
Interroguei Marx com as seguintes palavras: "Faz já muitos anos que o
senhor desencarnou; seu corpo se tornou pó na sepultura e, não obstante, o
encontro vivo nestas regiões. Então, em que ficou sua dialética materialista?"
Aquele sujeito, olhando o relógio de pulso que levava no braço, não se
atreveu a dar-me resposta alguma; deu as costas e se retirou. Porém, a
poucos metros de distância, lançou uma gargalhada sarcástica horripilante.
Mediante a intuição logrei capturar a essência viva de tal gargalhada. Nela
estava a resposta que poderíamos resumir com a seguinte frase: "Esse
dialética não foi mais que uma farsa; um "prato" para enganar incautos".
É curioso saber que, quando Karl Marx desencarnou, recebeu honras
fúnebres religiosas de grão rabino.
Na Primeira Internacional Comunista, Karl Marx se pôs de pé, dizendo:
"Senhores, eu não sou marxista!" Houve então assombro entre os
assistentes, gritos, alaridos e disso nasceram muitas seitas políticas,
bolcheviques, mencheviques, anarquistas, anarco-sindicalistas, etc., etc.
Assim, pois, resulta interessantíssimo saber que o primeiro inimigo do
marxismo foi Karl Marx.
Numa revista de Paris podemos ler o seguinte: "Mediante o triunfo do
proletariado mundial, criaremos a República Socialista Soviética Universal,
com capital em Jerusalém e nos adonaremos de todas as riquezas das
nações, para que se cumpram as profecias de nossos santos profetas do
Talmud."
Certamente, estas não podem ser frases de um materialista, nem de nenhum
ateu. Marx era um fanático religioso judeu.
Não quero agora, nesta conferência, criticar assuntos políticos, estou me
referindo, de forma enfática, a questões essencialmente ocultistas.
Karl Marx, movido certamente por fanatismo religioso, inventou uma arma
destrutiva para reduzir a poeira cósmica todas as religiões do mundo. Tal
arma é, fora de toda dúvida, um jargão que jamais resistiria a uma análise de
fundo. Refiro-me à dialética materialista.
Os velhacos do intelecto sabem muito bem que, para a elaboração de tal
"prato" mentirosos, de tal farsa, valeu-se Marx da dialética metafísica de
Hegel.
Evidentemente despojou esta obra de todos os princípios metafísicos que lhe
deu seu autor e com ela elaborou seu "prato". Não é demais repetir nesta
conferência que Marx, como autor de tal mentira, de tal farsa, de tal dialética
comunistóide, não acreditou jamais nela e por isso não teve nenhum
inconveniente em confessar seu sentir em plena assembléia, exclamando:
"Senhores, eu não sou marxista!"
Indubitavelmente, este senhor só cumpriu com um dos protocolos dos sábios
de Sião, que diz: "Não importa que nós tenhamos que encher o mundo de
materialismo e de repugnante ateísmo. O dia que nós triunfemos,
ensinaremos a religião de Moisés universalmene codificadamente e de forma
dialética e não permitiremos, no mundo, nenhuma outra religião."
Não quero, com isto, condenar nenhuma raça em particular. Estou aludindo,
francamente, a alguns personagens semitas com planos maquiavélicos.
Esses são os Marx, os Lenin, os Stalin, etc., etc., etc.
Do ponto de vista rigorosamente ocultista, pude evidenciar que o citado
boddhisattwa caído lutou pela divindade a seu modo, usando uma arma
astuta para destruir as demais religiões.
Marx foi um sacerdote, um rabino da religião judaica, fiel devoto da doutrina
de seus antepassados.
O que, sim, assombra é a credulidade dos néscios que, crendo-se eruditos,
caem na trampa cética posta por Karl Marx.
Estes ingênuos da dialética materialista marxista-leninista obviamente se
tornam violentos contra a divindade e por tal motivo ingressam no sétimo
círculo dantesco.
P. – Venerável Mestre, na ordem maçônica a que pertenço, se diz que a
religião ajuda o homem a bem morrer e que a maçonaria ajuda o homem a
bem viver. Portanto, creio eu que a maioria dos maçons que conheço
desconhecem o que é a religião e a confundem com algo totalmente negativo.
Já que estamos tratando sobre a violência contra Deus, quisera o senhor
dar-nos o conceito correto do que significa religião?
V.M. – Bom amigo que faz a pergunta! Estimado senhor, pessoas que me
escutam! Religião vem da palavra latina "religare", que significa voltar a ligar a
alma com Deus.
A maçonaria não é propriamente religião, é mais uma confraria do tipo
universal. Não obstante, seria muito recomendável que essa benemérita
instituição estudasse a ciência da religião.
De modo algum sugerimos que alguém se afilie a tal ou qual seita, cada qual
é livre de pensar como quiser. Nós só nos limitamos a aconselhar o estudo da
ciência da religião.
Esta última é precisamente gnosticismo em sua forma mais pura, sabedoria
de tipo divinal, esoterismo analítico profundo, ocultismo transcedental.
P. – Permita-me insistir, querido Mestre, já que escutei em alguma
conferência, dentro do ensinamento gnóstico, que o universo foi criado por
sete lojas maçônicas e isto, indubitavelmente, ligou a maçonaria primigênia
com o Pai, razão pela qual tenho o conceito de que, em síntese, a maçonaria
é o denominador comum de todas as religiões e, portanto, procede a Gnose.
Quisera o senhor esclarecer-me isto?
V.M. – Estimável senhor! Aqueles que estudaram profundamente a maçonaria
de um Ragón ou de Leadbeater sabem muito bem que a Maçonaria Esotérica
Oculta existiu não somente sob os pórticos do templo de Jerusalém, senão
também no antigo Egito e na submersa Atlântida. Desafortunadamente, essa
honorável instituição entrou no círculo involutivo descedente com a idade do
Kali Yuga ou idade de ferro, em que atualmente nos encontramos.
Não obstante, é ostensível que na futura sexta grande raça terá uma brilhante
missão a cumprir, precisamente quando ressuscitem as poderosas
civilizações esotéricas do passado.
Não negamos a origem divinal de tal instituição. Já sabemos que os sete
cosmocratores oficiaram com liturgia santa no amanhecer do grande dia,
quando fecundaram a matéria caótica para surgisse a vida.
De século em século, através das distintas rondas cósmicas, as oficinas se
foram tornando cada vez mais e mais densas, até chegar, por último, ao
estado em que atualmente se encontram.
Nós recomendamos aos irmãos maços que estudem a fundo o esoterismo de
Salomão e a sabedoria divina da terra dos faraós.
É necessário, é urgente que os irmãos maçons não caiam no ceticismo
marxista-leninista, dialética dos tontos, não se pronunciem contra a
divindade, porque isto, além de ser contrário a uma ordem esotérica de
origem divinal, conduzi-los-ia, inevitavelmente, ao sétimo círculo dantesco,
tenebrosa região dos violentos contra Deus.
P. – Venerável Mestre, como se cataloga o caso concreto de alguns gnósticos
que, crendo estar identificados com a doutrina de Cristo, também estão
identificados com a parte oposta, que é o ateísmo marxista?
V.M. – Distinto cavalheiro! Sucede que não deixam de existir nas correntes de
tipo ocultista ou esotérica, alguns elementos sinceros que anelam, de
verdade, trabalhar por um mundo melhor.
É inquestionável que estes, envenenados pela propaganda vermelha e
desejando criar aqui, no mundo ocidental, o "paraíso soviético", trabalham
com entusiasmo para lograr a realização total desse grande anelo.
Equivocados sinceros e pessoas de magníficas intenções; porém,
equivocados. Recorde que o caminho que conduz ao Abismo está empedrado
de boas intenções.
Se estes sujeitos vivessem, por um tempo, como operários na União
Soviética, estou seguro de que, ao regressar a esta região do mundo
ocidental, manifestar-se-iam raivosamente anticomunistas.
Resulta muito interessante saber que no hemisfério ocidental há mais
comunistas que na União Soviética. O que sucede é que lá, atrás da cortina
de ferro, já as pessoas conhecem a realidade comunista, viveram-na e,
portanto, não podem ser enganadas pela propaganda vermelha. Em troca,
como aqui ainda não temos governo de tipo marxista-leninista, os agitadores
vermelhos podem jogar com os incautos, da mesma forma que o gato joga
com o rato antes de devorá-lo.
Do ponto de vista rigorosamente esoterista, podemos afirmar, de forma
enfática, o seguinte: Nos mundos submersos, nas regiões tenebrosas da
sétima infradimensão dantesca, os comunistas vestem túnicas negras, são
verdadeiramente personagens da mão esquerda, sacerdotes da magia negra.
Concluirei dizendo: A Venerável Grande Loja Branca qualificou o
marxismo-leninismo como autêntica e legítima magia negra.
Aqueles que viram o caminho secreto que conduz à liberação final não
poderiam militar nas fileiras da mão esquerda sem cair, por tal motivo, no
delito de violência contra Deus.
P. – Querido Mestre, ainda que todos saibamos o que é a fraude e que
sempre a relacionamos com as coisas de tipo econômico, abarca outro tipo
de fraudes este delito que se purga no sétimo círculo dantesco?
V.M. – Amigos! Existem muitas formas de fraude e é bom esclarecer tudo
isto. Dante simboliza a fraude com uma imagem tenebrosa, horripilante.
Dante nos pinta o monstro da fraude da forma seguinte: "Seu rosto era o de
um varão justo, tão bondosa era sua aparência, a exterior; e o resto do corpo,
o de uma víbora venenosa. Tinha duas caras abomináveis, cheias de pêlo até
os sovacos, o peito e os costados de tal modo rodeados de laços e rodelas,
que não houve tecido turco, nem tártaro tão rico em cores, não podendo ser
comparado, tampouco, àqueles, o das teias de aracne."
Diz Dante que na cauda desta figura existia um terrível aguilhão. Este símbolo
expressa muito bem o delito da fraude. Pensemos, por um momento, nos
variados laços de cores com que o fraudulento envolve sua vítima; no rosto
venerável com que aparecem os fraudulentos; em seu corpo de víbora
venenosa; em suas horríveis garras e no aguilhão com que ferem suas
vítimas.
São tão variados os tipos de fraude que nos assombramos realmente. Existe
fraude naquele que forma um círculo esotérico e logo o abandona.
Existe fraude naquele que abre um lumisial e logo o desconcerta com seus
delitos. Já namorando a mulher alheia, já seduzindo com o propósito de
praticar magia sexual, adulterando às escondidas, desejando a Ísis do templo,
explorando os irmãos do santuário, prometendo o que não pode cumprir,
predicando o que não pratica, fazendo o contrário do que ensina,
escandalizando, bebendo álcool, ante o assombro dos devotos, etc., etc., etc.
Existe fraude no homem que promete a uma mulher matrimônio e não cumpre
sua palavra; na mulher que dá a palavra ao homem e logo o defrauda,
enamorando-se de outro homem; no pai de família que promete ao filho ou à
filha tal regalo, tal ou qual ajuda e que não cumpre a sua promessa, etc., etc.,
etc. Todas estas formas de fraude são violência contra a Arte; por isso Dante
as alegoriza com o espantoso monstro de rosto venerável.
Existe fraude no indivíduo que pede emprestado e não devolve o dinheiro.
Existe fraude nos vendedores de loterias e jogos de azar, pois as vítimas,
convencidas de que podem ganhar, perdem seu dinheiro e se sentem
defraudadas.
P. – Venerável Mestre, entendemos que o sétimo círculo dantesco é mais
denso que todos os anteriores, pelo que nos agradaria que nos explicasse a
constituição material de dita infradimensão.
V.M. – Amigos! A sétima região submersa, ou de Saturno, é de uma
densidade material que nos assombra, pois cada átomo, nessa região
submersa, possui em seu ventre 672 átomos do Absoluto.
Obviamente, este tipo específico de átomos é demasiado pesado e, por tal
motivo, a sétima região submersa resulta demasiado grosseira e dolorosa.
Como igual número de leis (672) governa essa tenebrosa zona submersa sob
a crosta geológica de nosso mundo, a vida se torna aí insuportável, dificílima,
terrivelmente complicada e espantosamente violenta.
P. – Mestre, desejaria saber se o elemento ou elementos em que se movem
os habitantes de dito círculo tampouco é visto por eles e se crêem que
também vão muito bem.
V.M. – Honoráveis amigos! Quero que saibam que essa região cavernosa de
nosso planeta é uma mescla de mineral e fogo.
Não obstante, ali as chamas só são conhecidas pelos seus efeitos, pela
violência, pelos rudes golpes instintivos e brutais, etc.
Repito o que antes dissera, no princípio dessa conferência: O que Dante
simbolizara com sangue é exclusivamente a cor sanguinolenta da violência
sexual na aura dos perdidos e na atmosfera infra-humana dessa zona.
Indubitavelmente, jamais pensaria um habitante dessa saturnina região de si
mesmo algo mau. Eles supõem sempre que marcham pelo caminho da
retidão e da justiça. Alguns destes sabem que são demônios, mas se
autoconsolam com a idéia de que todos os seres humanos o são.
Contudo, estes que não ignoram que são demônios nunca admitiriam a idéia
de que são maus, pois eles crêem, com firmeza, ser pessoas de bem, justos
e retos.
Se alguém os repreendesse por seus delitos, se os admoestassem, se os
chamassem ao arrependimento, sentir-se-iam ofendidos, caluniados, e
reagiriam com atos de violência.

Minotauro - Centauros
Círculo da violência (7) - Rio de sangue
Descemos por uma rampa formada por um enorme deslizamento de pedras, causado provavelmente por um terremoto ou pela contínua erosão. O barranco derrubado esculpia vários caminhos íngremes e irregulares da beira do precipício até embaixo, permitindo a descida com dificuldade. Quando descíamos por esse caminho tortuoso, encontramos, na beira do barranco destruído, o Minotauro de Creta. O touro ficou tão enfurecido quando nos viu que mordeu suas próprias mãos de raiva. Mas Virgílio logo o afastou, gritando:
- Pensas talvez que estás vendo o duque de Atenas, que no mundo te trouxe a morte? Vai embora, besta, que este só vem aqui para conhecer vossas penas!
Tentando escapar, assustado com aquela voz revestida de autoridade, o Minotauro começou a bufar e espernear, escoiceando como se tivesse sido ferido. O mestre, alerta, gritou:
- Vamos andando! Rápido! Vamos aproveitar para escapar enquanto ele se consome em sua fúria.
Seguimos então pelas pedras, que eu freqüentemente sentia balançarem sob os meus pés. Eu pensava sobre as ruínas quando o mestre falou:
- Imagino que pensas sobre estas ruínas, guardadas por aquela fera semi-humana. Quero que saibas que, quando aqui estive da última vez, esta avalanche ainda não havia acontecido. Se eu bem lembro, ela ocorreu pouco antes da descida Daquele que veio ao inferno para levar os justos para o céu. Na ocasião, todo este abismo tremeu. Não só aqui houve destruição, mas também em outras partes. Mas olha lá para baixo que em breve avistarás o rio de sangue fervendo as almas dos violentos contra seus semelhantes.
De lá do alto vi uma larga fossa, curva como um arco, assim como o mestre me descrevera, que se estendia por todo o plano abaixo. Na base do penhasco apareceu uma ala de centauros, armados com flechas. Quando nos viram, três deles se afastaram do grupo e vieram na nossa direção, armados, com as flechas esticadas, prontas para atirar. Um deles então gritou:
- Vocês aí! O que querem? Que tortura procuram? Falem logo ou eu atiro!
- Nossa resposta daremos somente a Quirón, teu chefe! - gritou o mestre de volta. - Só com ele falaremos pois tu estás demasiado nervoso. - Depois ele voltou-se para mim e disse - Aquele ali é Nesso, que morreu pela bela Dejanira, e fez do seu sangue sua própria vingança. O do meio, que contempla seu peito, é o grande Quirón, que educou Aquiles; o último é Fólo, aquele que nos ameaçou cheio de ira.
Quando estávamos diante dos centauros, ouvimos Quirón falar aos outros dois:
- Vocês perceberam que aquele que está atrás move tudo o que toca? Isto não é o que fazem normalmente os pés de um morto!
O mestre, que já estava diante do centauro e ouvira o final da conversa logo lhe esclareceu:
- Ele está, de fato, vivo, e eu fui designado para guiá-lo por este caminho. Ele faz esta viagem por necessidade e não por prazer. Ele não é ladrão nem eu alma criminosa. - e pediu - Dá-me para nos guiar um do teu povo, para que nos leve à passagem onde o rio fica raso e possa levar este nas costas, pois ele não é espírito que voa.

Centauros aguardam Dante e Virgílio diante do rio de sangue fervente onde sofrem os culpados de violência contra o próximo (assaltantes, assassinos e tiranos). Ilustração de Gustave Doré (séc XIX).
Quirón, então, voltou-se para Nesso e ordenou-lhe que nos mostrasse o caminho. Partimos com a fiel escolta, margeando o rio de sangue, onde almas ferviam e gritavam de dor. Lá eu vi almas submersas até os olhos.
- Esses que tu vês mergulhados até os olhos - explicou o centauro -, são os tiranos que tiraram o sangue e os bens de suas vítimas. Aqui choram por seus feitos desumanos Alexandre e Dionísio, que fez a Sicília sofrer durante anos. Aquele de cabelos negros é Azzolino e o outro, louro, é Obizzo d'Este.
Pouco adiante, parou outra vez o centauro, e mostrou-nos alguns que ficavam submersos no sangue até a garganta.
- Eis aquele que assassinou, durante a missa, aquele outro cujo coração ainda sangra sobre o Tâmisa - indicou Nesso.
Mais adiante, eu mesmo pude reconhecer alguns dos réus cujo peito já emergia. À medida em que caminhávamos o nível do sangue ia baixando até que enfim só ardia a sola dos pés. Lá finalmente encontramos um trecho raso por onde podíamos atravessar.
- Assim como vês o rio fervente aqui, deste lado, ficando cada vez mais raso - disse o centauro -, do outro lado ele se torna cada vez mais fundo, até chegar ao ponto de maior profundidade que é onde sofrem os tiranos. É lá que a divina justiça atinge Átila, que foi um flagelo na terra, e Pirro e Sexto; e para sempre espreme as lágrimas que o sangue escaldante produz de Rinier da Cornetto e Rinier Pazzo, que transformaram as estradas em campo de guerra.
Chegando a outra margem, descemos da garupa de Nesso. Ele então, atravessou o rio novamente e se foi.

Hárpias - Selva dos suicidas
Antes que Nesso tivesse terminado de atravessar o vau do rio de sangue, já estávamos nós em um bosque, não verde, mas de folhagens foscas, sem frutos, sem ramos e com os troncos cobertos de espinhos. Era ali que faziam seus ninhos as vis Hárpias - seres de grandes asas e rostos humanos, garras nos pés e ventres emplumados que lançam das alturas lamentos misteriosos.
- Antes que entres - disse me o mestre -, saibas que estamos no giro segundo deste sétimo círculo. Fica atento pois aqui verás coisas incríveis que falsas soariam se eu te contasse.
Caminhávamos pelo bosque deserto e eu ouvia vozes de lamento, sem avistar ninguém que pudesse ser a fonte de tais lamúrias. Creio que Virgílio tenha pensado que eu estava achando que as vozes emanavam de pessoas escondidas atrás das árvores, por isso falou:
- Se arrancares um galhinho de uma dessas plantas, mudarás o que agora imaginas.
Eu, seguindo seu conselho, levei a mão à primeira que encontrei, e dela arranquei um pequeno ramo.
- Ai! Por que me quebrantas? - gritou o tronco, chorando. E depois de se cobrir todo de sangue, disse ainda, triste - Por que me atormentas? Não tens espírito de piedade? Homens um dia fomos e hoje só restam paus. Devias ter mais cortesia mesmo que fôssemos almas de serpentes.
Saía da ferida, uma mistura de sangue e palavras, cuspindo e assobiando. Assustado, soltei o galho que eu segurava e permaneci parado, como quem teme.

Dante arranca um galho de árvore que chora de dor na floresta das Hárpias (onde são punidos os suicidas). Ilustração de Gustave Doré (séc XIX).
- Ó alma ferida - falou Virgílio, dirigindo-se à planta - fui eu que o incitei a fazer o que agora me entristece. Se ele soubesse que sofrerias, ele jamais teria erguido a mão contra ti. Mas dize a ele quem foste, pois ele voltará ao mundo onde poderá resgatar a tua fama.
- Tão amiga soa tua fala que devo responder. Fui ministro de Frederico II e vítima de grande injustiça, calúnias e inverdades. Por causa delas, tirei minha própria vida. Sempre fui atento ao meu senhor e nunca o traí. Se algum de vós regressar ao mundo, por favor restaure a minha memória que foi maculada pela inveja.
Virgílio esperou um pouco, depois me falou:
- Já calou-se o suficiente. Não percas tua vez. Pergunta, se há mais alguma coisa que desejas saber.
- Por que tu não perguntas o que achares que a mim poderá satisfazer? - perguntei - Eu não posso. Não conseguiria falar.
Ele então, voltou para o espírito:
- Ó espírito em desgraça, dize-nos como uma alma se funde com estas plantas e se algum de vós, um dia, escapará desses galhos.
Ao ouvir, a árvore respirou fundo e depois seu sopro se transformou em uma voz que respondeu:
- Quando alguma alma se separa do seu corpo por sua própria vontade, Minós a manda para a sétima foz. De lá, cai nesta selva escura, brota como uma semente e cresce, até tornar-se um espinhoso arbusto. As Hárpias nutrem-se de nossos galhos e assim nos trazem eterna e intensa dor. Como os outros, um dia retornaremos para reaver nossos corpos, mas nunca mais poderemos vesti-los, pois, injusto seria que tivéssemos algo que rejeitamos. Nós os arrastaremos até aqui onde, nesta triste floresta, nossos corpos serão para sempre pendurados nos galhos de suas almas vis.
Enquanto ouvíamos a árvore falar, um novo ruído desviou a nossa atenção. Eram dois vultos nus, que corriam, sangrando. Arrancavam, na fuga, todos os galhos dos arbustos por onde passavam.
- Me acode, me acode, Morte! - gritava o primeiro.
- Lano, com tuas pernas poderias ter tido mais sorte na batalha de Toppo! - dizia o outro que, não podendo mais correr, caiu sobre um arbusto e se ficou coberto de espinhos.
Atrás dos dois a selva estava repleta de cadelas pretas, ágeis e famintas. Elas chegaram e afundaram suas presas no pobre coitado que se escondia e o dilaceraram, arrancando seus pedaços e fugindo com partes de seus membros arrancados.
Depois que as cadelas se foram, Virgílio me levou até um arbusto que chorava, em vão, através das suas muitas fraturas que sangravam.
- Ó Giácomo de Santo Andrea - chorava -, que culpa tenho de tua vida perversa?
- Quem foste tu que agora, através das feridas, sopras com sangue este sermão amargo? - perguntou o mestre.
- Ó almas que chegaram a tempo de ver esta injusta mutilação que separou-me dos meus galhos, por favor, junte-os em volta do meu tronco. Eu fui da cidade cujo patrono era o Batista e lá fiz de minha casa, a minha forca.
Deserto incandescente - Chuva de brasas
Riacho Flegetonte
Antes ntes de partir, a minha compaixão pela alma que tanto amava a nossa Florença me levou a recolher os galhos espalhados e devolvê-los àquele tronco, que agora permanecia calado.
Continuamos a jornada até chegarmos ao lugar onde se separa o terceiro giro do segundo. O lugar era um estéril deserto de areia grossa e quente, cercado pela selva dos suicidas, assim como o rio de sangue cercava a floresta.
Eu vi vários grupos de almas nuas. Todas choravam desesperadamente. Parecia que cada grupo sofria uma pena diferente. Algumas almas permaneciam deitadas de costas no chão quente. Outras reuniam-se acocoradas em pequenos grupos. A grande maioria caminhava sem parar. Sobre todo o areão caíam brasas quentes, lentamente, como flocos de neve num dia sem vento. As brasas batiam na areia e produziam faíscas que aqueciam o chão arenoso, intensificando a dor dos que ali sofriam. Sem descanso, as almas faziam uma dança rítmica com mãos, tentando, em vão, afastar as chamas que sobre elas caíam.

Os que praticaram violência contra Deus, a natureza e a arte sofrem em um deserto incandescente e são torturados por chuvas de brasas. Ilustração de Gustave Doré (séc XIX).
- Mestre - perguntei -, quem é aquele que ali está deitado e age como se as brasas não o incomodassem?
E o vulto, percebendo que dele eu falava, respondeu gritando:
- O que um dia fui quando vivo, continuo a ser, agora, morto! Júpiter pode perder as esperanças de vingança. Nem o raio com o qual ele me atingiu no meu último dia, nem estas brasas que ele agora lança sobre mim farão com que eu lhe dê o prazer de se ver vingado!
- Ó Capâneo, já que tua soberba não diminui, o teu sofrimento só aumenta: nenhum martírio, mais que a tua própria ira, seria melhor punição ao teu orgulho! - gritou Virgílio, e depois me explicou - Ele foi rei. Um dos sete que assediaram Tebas. Pelo seu ódio, é condecorado com essas "medalhas" incandescentes que enfeitam seu peito. Agora me acompanha e tem cuidado para não pisar na areia quente, seguindo sempre por este bosque ao lado.
Chegamos a um pequeno riacho, de águas tão vermelhas que me deixaram impressionado. O leito e as margens do rio eram feitas de pedra, e as bolhas liberavam um vapor que extinguiam as chamas que caíam acima e nas proximidades do riacho. Imaginei, portanto, que aquele deveria ser o nosso caminho.
- Entre todas as coisas que te mostrei, não viste nada ainda tão notável quanto este riacho que extingue as chamas que caem sobre ele. - falou o mestre, e eu pedi que ele falasse mais sobre a origem do riacho.
- No meio do mar se encontra um país gasto, que se chama Creta. - explicou Virgilio - Lá existe uma montanha chamada Ida, que, antes fértil e cheia de vida, hoje permanece deserta como coisa velha. No centro da montanha encontra-se um grande velho, que tem suas costas voltadas para Damiata, e seu rosto virado para Roma, que lhe serve de espelho. Sua cabeça é feita do mais puro ouro. De pura prata são seus braços e o peito. É de cobre dali até onde começam as pernas. O resto é todo de ferro exceto o seu pé direito que é de argila, sobre o qual apoia a maior parte do seu peso. Todas as suas partes, exceto a de ouro, estão podres, rachadas por uma fissura por onde fluem lágrimas que descem até os seus pés, onde elas se unem e cavam uma gruta. Pelas rochas penetram e aqui deságuam, formando o Aqueronte, o Estige e o Flegetonte que, no final, formam o Cócito que ainda veremos adiante.
- Se este riacho ao nosso lado tem sua origem no nosso mundo, porque só agora o vimos? - perguntei.
- Tu sabes que este lugar é redondo - respondeu - e que nós, virando sempre à esquerda e descendo, não demos ainda uma volta completa; muito ainda veremos adiante, então, não fiques surpreso ao encontrar algo que não vistes ainda.
- Onde, mestre, encontraremos o rio Flegetonte e o Letes, que não foi por ti mencionado?
- O Flegetonte - respondeu -, é a fonte deste riacho que agora vês saindo da floresta. É aquele mesmo rio de sangue fervente que atravessamos com o centauro. O Letes tu ainda verás, mas fora deste mundo. É lá que se banha a alma penitente que, arrependida, da sua culpa se purifica.
Depois ele me chamou:
- Vem. Está na hora de sairmos deste bosque. Vem pela margem de pedra deste riacho, pois sobre ela o vapor apaga as chamas.

Espírito de Brunetto Latini
Nós caminhávamos por uma das margens de pedra. Uma névoa pairava sobre o córrego mantendo o fogo longe dos diques que o separam do areão. A selva já ficara bem para trás (tão distante que, se eu olhasse para trás, tenho certeza que não mais a veria) quando surgiu um grupo de almas beirando o dique e nos fitando. Uma delas me reconheceu e se agarrou ao meu manto, gritando:
- Que maravilha!
Eu, logo que senti que um espírito me segurava, olhei para as suas feições queimadas e, apesar de sua face tostada, não pude deixar de reconhecê-lo.
- Sois vós aqui, senhor Brunetto? - perguntei.
- Filho - respondeu ele -, se não te causar desgosto, deixa que Brunetto Latino se afaste de seu grupo e te faça companhia na breve caminhada.
- Se quiserdes, posso sentar aqui convosco - respondi -, se aquele que está comigo não se incomodar.
- Não posso parar. - respondeu - Fui condenado a vagar eternamente. Se um de nós se detiver, terá que permanecer por cem anos, sem poder afastar o fogo que o atormenta. Segue, portanto, e eu te acompanharei, e depois voltarei ao meu bando, que lamenta a sua dor eterna.
Andei ao seu lado, mas não desci do dique. Ele me perguntou o que eu fazia lá naquele vale infernal antes do tempo. Contei-lhe toda a história, desde a floresta escura até a jornada que eu empreendia com Virgílio. E então ele me fez várias previsões sobre o meu futuro e o de Florença. Disse:
- Por tuas boas ações, a raça maligna te será inimiga. E têm razão, pois entre as frutas podres não convém cultivar o figo. Pelas honras que teu destino te reserva, vão disputar-te ambas as facções, mas que do bode fique longe a erva.
- Minha mente não esquece - respondi - e meu coração se parte, ao lembrar de vossa figura, amável e paterna, que enquanto vivia no mundo, hora após hora, me ensináveis como um homem se faz eterno. - e disse-lhe ainda - Não é nova esta vossa profecia aos meus ouvidos. Eu anotarei e a levarei comigo, junto com outro texto, para que uma mulher (Beatriz) o interprete, se eu a encontrar.
Indaguei sobre o estado dos seus companheiros e se havia alguém conhecido entre eles. Ele me respondeu:
- Eu terei que ser breve, pois meu tempo é curto. Em suma, cada um deles foi prelado, letrado ou de grande fama e por um só pecado teve o desprezo do mundo. Se o meu grupo aqui estivesse, poderia te mostrar, por exemplo, Prisciano e Francesco d'Accorso. Eu conversaria mais, porém, já vejo uma poeira no Areal. Outro grupo se aproxima e com eles eu não posso me misturar. Lembre-se do meu Tesouro, no qual eu ainda vivo. É a única coisa que te peço.
Falou, e saiu correndo pelo deserto como atleta que disputa uma corrida.

Espíritos de políticos florentinos
Chegávamos onde já se ouvia o ruído da água que caía no outro círculo, com um som semelhante ao zumbido que se ouve ao aproximar-se de uma colmeia, quando chegaram até nós três sombras, correndo, se separando de seu grupo que nos passava.
- Pára, tu, de vestes conhecidas! - gritavam - Pára pois pareces ser de nossa terra perversa (Florença).
Ó tristes almas sofredoras! Quantas vi com seus membros repletos de feridas novas e antigas, queimaduras que ainda me doem só de pensar. Os seus gritos chamaram a atenção do mestre, que voltou-se para mim e disse:
- Espera! Com estas almas te rogo cortesia.
Paramos. Os três espíritos, que não podiam parar, logo formaram uma roda e começaram a andar em um círculo. Enquanto circulavam, cada um mantinha o rosto virado na minha direção, de forma que enquanto o pescoço virava para um lado, os pés seguiam para o outro.
- Se a miséria deste solo estéril - falou um deles - e nossas queimaduras, bolhas e peles descascadas te causam repugnância, deixa que a nossa fama te anime a dizer quem és tu, que vivo caminhas por este inferno. Este na minha frente, embora corra nu com o corpo esfolado, foi figura de alto grau no mundo. Seu nome era Guido Guerra e muito ele cumpriu com seus conselhos e com a espada. Este outro, que está atrás de mim, é Tegghiaio Aldobrandi, cuja voz o mundo faria bem em ouvir. E eu, sou Jacopo Rusticucci.
Eu fiquei tão comovido com o sofrimento daqueles espíritos que, se não fosse a chuva de brasas e o fogo, eu teria ido ao encontro deles, com a aprovação do mestre. Tive vontade de descer do dique e abraçá-los mas não o fiz por receio de me queimar. Depois falei:
- Não repugnância, mas tristeza sinto por vossa condição. É verdade que eu sou da vossa terra. Lá, eu sempre ouvi falar muito bem de vossas obras e de vosso caráter.
- Que longamente possa tua alma continuar a guiar teus membros - disse o mesmo que antes havia falado - e ainda depois, possa tua fama continuar a brilhar, mas dize, cortesia e valor ainda vigoram em nossa terra? Pois Guglielmo Borsiere, que recentemente juntou-se a nós, trouxe notícias que nos causaram imensa tristeza.
- Os novos povos e seu rápido enriquecimento têm estimulado o orgulho e descontrole em ti, Ó Florença! - gritei, e eles se olharam, tomando isso como resposta.
- Se sempre respondes de forma tão clara - falaram todos - feliz de ti quando precisares discursar. Logo, se conseguires sair destas trevas e um dia voltar a rever as estrelas, não deixes de falar de nós aos que ainda vivem!
Depois desfez-se a roda e sumiram os três. Virgílio, então, decidiu que já era hora de partirmos também. Caminhamos e eu o segui até que chegamos a um ponto onde o ruído das águas tornou-se tão intenso que mal podíamos ouvir nossas próprias vozes.
Eu mantinha uma corda enrolada na cintura, que, em uma outra ocasião, pensei em usar para vencer o leopardo na floresta. O mestre a pediu, e eu a desenrolei entregando-a nas suas mãos. Ele a pegou e caminhou até a borda do precipício, de onde a jogou no abismo profundo.
Diante de tal cena eu pensei: "Algo deverá acontecer, pois algum evento o mestre busca com o olhar". Lendo os meus pensamentos, Virgílio me respondeu:
- O que tua mente espera logo surgirá à tua visão.
Mal ele havia terminado de falar, eu vi surgir da escuridão, nadando naquele ar denso e escuro, uma grande e estupenda figura que assombraria até os corações mais seguros. Ela já reduzia a sua velocidade e preparava-se para pousar na beira do precipício, estirando suas garras e recolhendo seus pés.


Gerión - Espíritos de famílias da alta nobreza
- Eis a fera com sua cauda aguda, que atravessa os montes e rompe os muros e armas! Eis aquela que em todo o mundo transpira e fede! - começou a me falar o mestre, enquanto acenava para a fera sinalizando que ela viesse à beira da pedra onde estávamos.
E ela subiu com a cabeça e o busto, mas sobre a beira não descansou sua cauda. A sua face era a face de um homem justo, tão benignos mostravam-se seus traços, e de serpente era o resto de seu corpo. As suas garras e o seu tronco eram peludas. Tinha o dorso e peito ornados com pinturas de argolas e laços. Toda a sua cauda no vazio vibrava, torcendo sua forquilha venenosa, armada na ponta como um escorpião.
- Vamos! - chamou o mestre - Vamos até a fera que acolá se assenta!
Descemos pelo lado direito do dique e demos dez passos pela sua beira inferior, evitando as areias quentes.
Quando estávamos ao lado de Gerión, eu percebi, um pouco mais distante, algumas pessoas acocoradas na areia junto à beira do precipício.
- Para que possas ter um conhecimento completo dos tormentos deste círculo, vai tu falar com aquele grupo enquanto eu convenço esta fera a nos transportar. - sugeriu Virgílio.
E eu fui, sozinho, margeando a aresta do precipício, até onde estavam sentadas aquelas almas tristes.
Dos seus olhos escapava-lhes a dor. Com as mãos, defendiam-se como podiam do solo em brasa e do ardente calor. Examinei aqueles rostos, mas nenhum reconheci. Notei que todas tinham uma bolsa pendurada no pescoço, cada uma de uma cor, com um brasão nelas gravado. Uma tinha algo azul com rosto de leão impresso numa bolsa amarela. Outra ostentava uma bolsa vermelha com uma pata branca desenhada. Aquela alma que tinha uma porca azul pintada sobre uma bolsa branca me perguntou:
- O que fazes nesta fossa? Vai embora! E como estás vivo, saibas que o meu vizinho Vitaliano sentará aqui à minha esquerda. Que venha o cavaleiro soberano, que três bodes terá na sua bolsa!
Falou e depois fez caretas terríveis, puxando a língua por cima do nariz. Eu, assustado, voltei para o lugar onde o mestre já me aguardava. Quando cheguei, Virgílio já estava montado sobre a garupa da fera.
- Ora, tenha coragem! - disse, tranqüilo - Monta aqui na minha frente, pois atrás ficarei eu para evitar que sua cauda possa fazer-lhe mal.
Subi então naquele bicho horrendo, tomado de medo e horror. O mestre me segurou firme e então gritou:
- Gerión, move-te afora e desce devagar. Pensa na carga que carregas!
E assim, o monstro deu ré e virou-se na direção do abismo. Onde estava o peito agora estava sua cauda, que esticou como uma enguia, e com suas garras puxou o ar escuro, mergulhando na escuridão. Eu estava aterrorizado. Nunca sentira medo igual. Olhei para baixo e nada vi. Só havia escuridão. Gerión se movia lento, nadando, descendo em espiral. E esse movimento eu só pude perceber por causa da brisa que soprava no meu rosto.

Dante e Virgílio na garupa de Gerion, descem para o oitavo círculo. Ilustração de Gustave Doré (séc XIX).
Pouco depois comecei a ouvir os lamentos que já dominavam o ar. Debrucei-me para olhar para baixo e vi o fogo. Assustado, logo me aprumei e segurei firme. Depois de cem voltas Gerión finalmente pousou, nos deixando no fundo, ao pé do grande penhasco. Assim que descemos de sua garupa ele sumiu, esvaindo-se na escuridão.

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