segunda-feira, 24 de outubro de 2011

6 circulo de jupiter A Divina Comedia


Distintos amigos! Vamos hoje estudar com inteira claridade o sexto círculo
dantesco, ou de Júpiter, submerso sob a epiderme do planeta Terra.

Inquestionavelmente, esta região infradimensional é ainda muito mais densa
que as cinco anteriores, devido à sua constituição atômica.

É bom saber que cada átomo do sexto círculo dantesco leva em seu ventre
576 átomos do Sagrado Sol Absoluto.

Indubitavelmente, tal tipo de átomos, extremamente pesado, é a "causa
causorum" de uma materialidade tremenda.

As pessoas que vivem submersas nesta região infernal, obviamente, estão
controladas por 576 leis, as quais fazem de suas existências algo demasiado
complicado e difícil.

O tempo se torna espantosamente lento nestas regiões; cada minuto parece
séculos e, por conseguinte, a vida se faz tediosa e insuportável.

Se analisamos cuidadosamente a vibração jupiteriana em seu aspecto
transcedental planetário, descobrimos essa força misterioso que dá o cetro
aos reis e a mitra aos jerarcas das diversas religiões confessionais.
É, pois, o planeta Júpiter, no espaço infinito, extraordinariamente místico,
régio e sublime.
Sua antítese, na infradimensão submersa, sob a crosta geológica de nosso
mundo, resulta de fato convertida na morada dos ateus materialistas, inimigos
do Eterno.
Vivem também nessa região os blasfemos, aqueles que odeiam tudo o que
pode ter sabor de divindade, e os hereges, esses que cultivam o dogma da
separatividade.
Sentimo-nos cheios de dor ao contemplar, como Dante, tantos mitrados
céticos e ateus metidos no sepulcro de suas próprias paixões, ódios e
limitações.
Quando pensamos nos grandes legisladores, soberanos e senhores que
regem os conglomerados sociais, obviamente descobrimos tiranos e tiranetes
que originam complicações e dores por aqui, lá e acolá.
O resultado de tão nefastos procederes corresponde exatamente ao sexto
círculo dantesco.
Não é, pois, de se estranhar que, nessa referida região tenebrosa da morada
de Plutão, encontre o investigador esoterista a todos esses jerarcas que
abusaram de seu poder; é claro que tais pessoas sofrem, por conseguinte, o
indizível.
Júpiter, como paternal amigo, sempre generoso, tem sua antítese nefasta
nesses péssimos pais de família, que, possuindo bens aos montões, negam
pão, abrigo e refúgio a seus filhos.
Indubitavelmente, é na nefasta região sexta abismal onde essas sombras
pecadoras, depois da morte, encontram sua morada.
Comove-se a consciência do investigador ao contemplar, na tenebrosa
região jupiteriana submersa, tão cruéis pais de família. Contudo, o mais
curioso é que sempre eles, aqui no mundo, sob a luz do Sol, creram-se
virtuosos, justos e bondosos, e alguns destes até foram profundamente
religiosos.
Há também, nessa morada sinistra, chefes de família que aspiraram a
auto-realização íntima do Ser, apesar de todas as suas crueldades. Seus
conteporâneos os creram muito bons; sua conduta, aparentemente, era reta,
das portas da sua casa para fora, é claro, embora dentro de sua morada
houvesse pranto e aflições.
Pietistas extraordinários com fingidas mansidões e poses de comediantes;
vegetarianos insuportáveis, desses que fazem da comida uma religião de
cozinha.
Eu lhes diria hipócritas, fariseus, sepulcros caiados, para falar com o tom do
Grande Kabir Jesus. Não obstante, o mesmo não o diriam jamais os seus
sequazes, ou aqueles que os tivessem visto em formosos salões de tipo
pseudo-esotérico ou pseudo-ocultista.
Não é estranho, tampouco, achar, na sexta região infradimensional submersa,
chefes de família muito honrados e sinceros, porém, terrivelmente
equivocados. O que deveriam ter feito não o fizeram e o que não deveriam ter
feito, isso fizeram. Alguns desses senhores foram extraordinariamente
fanáticos no mundo onde viviam, e com paus e açoites ensinaram religião a
seus filhos, como se isto se pudesse aprender com lategaços. Nefastos
sujeitos que ensombreceram lares, amargando a vida de suas criaturas.
Júpiter, generoso como sempre, davidoso e altruísta, há de ter seu contraste
sob a epiderme da Terra, na infradimensão sexta submersa.
Qual seria a antítese da generosidade? O egoísmo, a usura, o peculato, isso
é óbvio.
Não é, pois, estranho achar, na referida região infra-humana, aquele que
açambarca todos os bens da Terra para si, como um Sanagabril e seus
sequazes.
Assim pois, toda antítese religiosa, todo contraste jupiteriano, há de se
encontrar, inevitavelmente, no sexto círculo infernal, sob a epiderme da Terra.
P. – Querido Mestre, observei que menciona o senhor que o tempo é
tremendamente longo, que os minutos parecem séculos, devido à grande
densidade desta região submersa de Júpiter. É o tempo longo pelos
sofrimentos, ou são os sofrimentos longos pelo tempo?
V.M. – Distinto cavalheiro que faz a pergunta! Permita-me informar-lhe que o
tempo só existe do ponto de vista meramente subjetivo, porque certamente
não tem uma realidade objetiva.
Partindo deste princípio básico, chegamos à conclusão lógica de que o tempo
é uma criação subconsciente submersa.
Inquestionavelmente, o tempo, em cada zona infraconsciente ou, melhor
diríamos, naquilo que existe de inumano em cada um de nós, há de tornar-se
cada vez mais lento nos fundos mais profundos da materialidade.
Com outras palavras, direi o seguinte: No nível meramente intelectivo, o
tempo não é tão lento como nos níveis subconscientes mais fundos. Isto é,
quanto mais subconsciente seja a região do universo onde habitamos, mais
lento será o tempo; tomará uma maior aparência de realidade.
Aqui no mundo físico onde vivemos, sobre a superfície da Terra e à luz do
Sol, há minutos que parecem séculos e séculos que parecem minutos. Tudo
depende do estado de ânimo em que nos encontremos.
É claro que, em plena felicidade, doze horas parecem um minuto. É óbvio que
um instante de suprema dor parece séculos.
Pensemos agora no Abismo, nas regiões submersas abismais, na cidade de
Dite, a cidade maldita no fundo do tenebroso Tártaro. Ali os perdidos sentem
que cada minuto se converte em século de abominável amargura.
Creio que agora o cavalheiro que fez a pergunta entenderá a fundo minha
resposta.
P. – Assim é com efeito, Mestre; porém, como o senhor menciona estados de
consciência – como subconsciência, inconsciência e infraconsciência – quer
acaso dizer isto que, quando falamos de infradimensões, referem-se estas
também a estados de consciência?
V.M. – As infradimensões da natureza e do cosmos existem não somente no
planeta Terra, senão também em qualquer unidade cósmica do espaço
infinito; sóis, luas, planetas, galáxias, estrelas, antiestrelas, antigaláxias de
antimatéria, etc., etc., etc.
Não são, pois, estas infradimensões naturais exclusivos produtos da
subconsciência, inconsciência e infraconsciência de humanóides intelectivos,
senão o resultado de leis matemáticas que têm sua origem em todo raio de
criação existencial.
P. – Mestre, quer dizer, pois, que, quando nos referimos à Consciência em si
mesma, devemos pensar que esta está livre do tempo?
V.M. – Cavalheiro, senhores, senhoras! Quero dizer-lhes, de forma enfática,
que no Sagrado Sol Absoluto o tempo é 49 vezes mais rápido que aqui na
Terra.
Analisando este enunciado judiciosamente, dizemos: Sendo o tempo criação
meramente subjetiva do humanóide intelectual, é óbvio que resulte 49 vezes
mais lento que no Sagrado Sol Absoluto.
Com outras palavras, aclaro que a mente do humanóide possui 49
departamentos subconscientes e por isso se diz que o tempo aqui, entre os
bípedes tricerebrados ou tricentados, equivocadamente chamados homens, é
49 vezes mais lento que no Sagrado Sol Absoluto.
Valendo-nos agora do processo indutivo ensinado por Aristóteles em sua
"Divina Entelequia", concluiremos: Se o tempo, no Sagrado Sol Absoluto, é 49
vezes mais rápido que no nível intelectivo do humanóide, obviamente isto
significa que no Sagrado Sol o tempo não existe. Ali, tudo é um instante
eterno, um eterno agora.
Mirando, agora, isso que chamamos Consciência, estudando-a
judiciosamente, descobriremos o Ser original paradisíaco, virginal, livre de
todo processo subconsciente, mais além do tempo.
Quer dizer: A Consciência, em si mesma, não é um produto do tempo.
P. – Perdoa-me, Mestre, se pareço um tanto insistente. Porém abriguei o
conceito de que, conforme vamos despertando Consciência, os estados
infraconscientes e subconscientes vão deixando de existir, porque estes se
convertem em conscientes. É equivocado isto?
V.M. – Cavalheiro! Esta pergunta me parece bastante interessante.
Ostensivelmente, os estados submersos de Plutão – chamemo-los
infraconsciência, inconsciência, subconsciência – são eliminados
radicalmente quando a Consciência desperta.
Na sexta dimensão submersa, o tempo se faz demasiado longo, devido ao
fato claro e evidente dos estados subconscientes, inconscientes e
infraconscientes. Contudo, no Nirvana não existe o tempo, devido ao fato
contudente e definitivo de que nesta região divinal não existe o ego, nem o
subconsciente, nem os citados estados abismais.
P. Com esta dissertação que, francamente, me surpreende, porque nunca
antes havia relacionado o tempo com os estados de subconsciência, chego à
conclusão de que o inconsciente, o infraconsciente e o subconsciente, de que
tanto nos falam os psicólogos, são, na realidade, estados negativos e
satânicos, e que são obstáculos para que o homem se auto-realiza. Estou
correto, Mestre?
V.M. – Foi-nos dito, de forma solene, que necessitamos transformar o
subconsciente em consciente. Nós incluímos dentro desses conceitos
transformativos também os estados infraconscientes e inconscientes.
Despertar Consciência é o radical! Só assim poderemos ver o caminho que
há de nos conduzir até a liberação final.
Obviamente, o conceito tempo, que tão amarga faz a vida na sexta dimensão
submersa e nos diversos círculos dantescos do Tártaro, é eliminado
definitivamente quando a Consciência desperta.
P. – Diz-nos que a sexta região submersa de Júpiter é a antítese do planeta
Júpiter que gira ao redor do Sol. Observo, Mestre, que não se referiu o
senhor, quando falou dos outros círculos dantescos, como eram as antíteses
dos planetas com que se correspondem. Poderia esclarecer-nos isso?
V.M. – Cavalheiros, senhores, senhoras! Obviamente os nove círculos
infernais são sempre o aspecto negativo antitético das esferas da Lua,
Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Creio que já
algo disse em passadas existências sobre este tema e que temos pintado a
relação existente entre aqueles mundos e as nove zonas submersas sob a
epiderme de nosso planeta Terra. Buscando um símil a tudo isto, vereis que
toda pessoa sob a luz do Sol projeta, por toda parte, sua própria sombra; algo
semelhante achareis entre cada um destes nove mundos do sistema solar e
suas correspondentes sombras ou zonas escuras, tenebrosas, nas entranhas
do planeta em que vivemos. Entendido?
P. – Mestre, poderia dizer-nos se está habitada a zona submersa do planeta
Júpiter?
V.M. – Distinta Senhora! Permito-me informar-lhe e informar a todas as
pessoas que me escutam que nas infradimensões naturais do reino mineral
submerso do planeta Júpiter existem demônios terrivelmente perversos,
criaturas involucionantes, gentes que se dirigem à morte segunda. (Esclareço:
não estou falando do céu de Júpiter, limito-me exclusivamente a citar o reino
mineral submerso desse planeta).
P. – Podemos considerar que, apesar de nos mundos infernos de Júpiter
existirem seres involucionantes, terrivelmente malignos, são dito infernos
antitéticos com os infernos do sexto círculo dantesco do planeta Terra?
V.M. – Amigos, o tenebroso se corresponde com o tenebroso, não existe
antítese alguma entre os infernos jupiterianos e o sexto círculo dantesco
submerso sob a crosta geológica de nosso mundo Terra.
Devemos buscar antíteses exclusivamente entre os aspectos luminosos e
obscuros de Júpiter.
Indubitavelmente, os esplendores jupiterianos têm seu oposto, suas sombras,
não somente nas entranhas daquele planeta radiante, senão, também, sob a
crosta de nosso afligido mundo.
P. – Mestre, poderia o senhor dizer-nos quais são os materiais ou elementos
que compõem esta zona tenebrosa da sexta dimensão submersa de nosso
organismo planetário?
V.M. – Amigos! Já dissemos em passadas conferências que os habitantes de
tal ou qual elemento natural não percebem jamais o elemento em que vivem.
Os peixes jamais vêem a água. Nós, os habitantes deste mundo
tridimensional de Euclides, nunca percebemos o ar que respiramos, não o
vemos. As salamandras não vêem o fogo. Assim, também aqueles que
moram entre o elemento pétreo, rochoso, jamais vêem tal elemento,
unicamente percebem objetivos, pessoas, sucessos, etc., etc., etc.
Obviamente, a densidade pétrea da sexta morada de Plutão resulta
insuportável, terrivelmente densa. Agora nos explicaremos o motivo pelo qual
Dante via tantos condenados metidos entre seus sepulcros.
Não se trata de sepulcros no sentido literal da palavra, só se quer dizer com
isto estados sepulcrais, condições demasiado estreitas, limitadas de
subconciência e infraconsciência, etc., etc.., etc. São condições dolorosas da
vida na sexta região abismal.

Erínias e Medusa
Círculo da heresia (6) - Túmulos
O medo me tomou quando vi o semblante do mestre, que se aproximava, e dizia quase para si:
- Precisamos triunfar, se não... Mas não, ora! A ajuda nos fora prometida! Como demora!
Eu vi muito bem como ele mudou de tom ao tentar encobrir o que falara, ou a palavra que não havia pronunciado, por isso mais medo tive ainda, pois a frase que ele deixara incompleta, eu completei com sentido pior.
- Alguma vez já desceu, a estes círculos profundos do inferno, alguém do Limbo? - perguntei-lhe.
- Isto é raro - respondeu-me o mestre -, mas é verdade que eu mesmo já fiz esta viagem e desci até o círculo mais profundo, quando uma vez fui convocado. Não se preocupe, pois conheço bem o caminho.
Virgílio continuou a falar, mas, de repente, minha atenção se voltou para o céu onde vi três Fúrias infernais. Eram figuras femininas, ungidas de sangue e com serpentes ferozes no lugar dos cabelos. O mestre, que já conhecia as escravas de Proserpina, me apontou:
- Olha! São as Erínias ferozes! Aquela é Megera, à esquerda, e aquela que chora à direita é Aleto. Tesífone é a do meio.
Elas gritavam alto e com as unhas rasgavam o peito. Eu fui para junto do poeta, tomado pelo medo.
- Vem Medusa, vem! - gritavam - vamos transformá-lo em pedra! Que pena que deixamos Teseu escapar!
- Fecha os olhos e volta-te! - gritou Virgílio - pois se a górgona vier e tu olhares para ela, não haverá mais volta ao mundo! - e com estas palavras ele me virou de costas e, não confiando nas minhas mãos que já estavam sobre os olhos, colocou as dele sobre as minhas e lá as manteve.
De repente, ouvi um grande estrondo e uma ventania tomou conta do ar levantando poeira e fazendo um barulho assustador. Depois, o inferno começou a tremer. Ele então tirou as mãos dos meus olhos e disse:
- Agora vira-te e olha na direção do pântano, onde a bruma é mais espessa.
Olhei e vi mais de mil almas apavoradas no ar, fugindo, saindo do caminho de um ser que vinha, caminhando sobre o Estige, sem molhar os pés. Ele afastava o ar sujo com as mãos, e essa aparentava ser a única coisa que o incomodava. Eu tinha certeza, agora, que ele vinha do céu. Voltei-me para o guia mas ele fez um sinal para que eu permanecesse em silêncio.
O anjo chegou e tocou as portas de Dite com uma pequena vara, fazendo com que elas abrissem sem esforço.
- Ó almas mesquinhas - ele começou, sobre as portas da cidade sombria - por que resistis contra aquela vontade que nunca pode ser negada e que, mais de uma vez, só fez aumentar vosso sofrimento?
Depois de falar, voltou pelo mesmo caminho por onde tinha chegado. Nós depois prosseguimos, seguros por suas palavras sagradas, e entramos sem dificuldades pela porta principal.
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Mapa do Inferno superior (do portal de entrada até a cidade de Dite - círculos I a VI). Ilustração de Helder da Rocha.
Já dentro da cidade, encontramos um cemitério de tumbas abertas, de onde se ouvia o lamentar de muitas vozes que queimavam em brasa dentro das covas.
- Mestre - perguntei -, que sombras são estas que aqui jazem e que só podemos perceber pelos seus lamentos?
- São os hereges e seus seguidores. - respondeu-me Virgílio - Em cada tumba repousam os réus de uma mesma seita, que são torturados pelo fogo eterno.
Dobramos, então, à direita, e continuamos a caminhar entre a muralha da cidade e as sepulturas.

Espírito de Farinata - Espírito de Cavalcanti
Passávamos por um caminho secreto, entre a muralha e as sepulturas, quando eu perguntei ao mestre:
- Mestre, estas pessoas aqui enterradas, podemos vê-las? Pergunto isto já que todas as tumbas estão descobertas e ninguém as guarda.
- Elas serão um dia fechadas - respondeu -, quando aqui retornarem com os corpos que deixaram lá no mundo. Este cemitério que aqui vês é para Epicuro e seus seguidores, que acreditavam que a alma morreria junto com o corpo. E quanto à outra questão que me fizeste, ela será em breve respondida, assim como o desejo que escondes de mim será atendido.
Túmulos dos heréticos dentro da cidade de Dite. Ilustração de Gustave Doré (séc XIX).
- Ó meu bom guia - falei - eu não escondo meu coração, e se pouco falo, é porque tu mesmo me pedisse isto outras vezes.
- Ó toscano que falais com tamanha honestidade. Por vosso sotaque reconheço que sois de minha cidade natal. Daquela nobre cidade que tratei, talvez, de forma muito dura.
Isto eu ouvi soar de uma das tumbas. Assustado, fui para mais perto do mestre, que disse:
- Volta! O que estás fazendo? Vê Farinata que já se ergueu. Tu o verás em pé, da cintura para cima.
Eu já lhe fixava o olhar, e lá estava ele, imponente, como se nutrisse grande desprezo pelo inferno. Virgílio guiou-me até ele, dizendo:
- Vai, e escolhe tuas palavras com cuidado.
E quando eu estava diante de sua tumba, ele me olhou um pouco, meio desdenhoso e perguntou:
- Quem foram os vossos ancestrais?
E eu, que só desejava contentá-lo, nada escondi e contei-lhe a verdade. Com isto, ele levantou um pouco as sobrancelhas, mas depois disse:
- Tão duros na oposição foram a mim, aos meus parentes e ao meu partido, que por duas vezes eu os expulsei.
- Mas duas vezes eles retornaram - repliquei -, coisa que os vossos partidários nunca conseguiram fazer.
Enquanto conversávamos, fomos repentinamente interrompidos pelo surgimento de um outro vulto, residente naquela mesma tumba, que pude ver apenas do queixo para cima. Creio que estivesse de joelhos. Ele olhou em volta esperando ver alguém. Não encontrando quem ele procurava, falou chorando:
- Se neste cárcere cego vais por grandeza de engenho, onde está meu filho? Por que ele não está contigo?
- Eu não estou só - disse-lhe - aquele que ali espera me guia por estas trevas; aquele por quem, talvez, teu Guido nutria um certo desprezo.
Pelo seu modo de falar e pela sua pena, não foi difícil descobrir de quem se tratava, por isso minha resposta foi tão direta. Mas subitamente ele ficou em pé, e gritou:
- Como? Disseste que ele nutria? Então ele não mais vive? Então a luz doce não mais brilha nos seus olhos?
E quando percebeu que a resposta demorava demais, ele subitamente afundou e não apareceu mais. Farinata continuava no mesmo lugar onde estávamos quando a conversa fora interrompida. Não se incomodou e sequer olhou para ver o que acontecia. Ele simplesmente continuou de onde tinha parado:
- Se eles não sabem como retornar, isto me dói mais que o fogo deste leito. Retornar não é fácil. Em menos de 50 luas, vós mesmo sabereis como é difícil retornar de um exílio. E como eu espero que vós estareis de volta ao doce mundo, dizei-me, por que vosso partido é tão duro com os meus, nas leis que cria contra eles?
- Certamente, tudo começou com o massacre que tingiu o rio Árbia de vermelho. - respondi, e ele balançou a cabeça.
- Nisso não fui só eu - respondeu - mas certamente eu também não teria ido se não fosse por uma boa causa, mas, quando eles decidiram, unânimes, pela destruição de Florença, fui somente eu que me levantei e ousei defendê-la de rosto aberto.
- Que agora encontre a paz, a vossa descendência - respondi-lhe - mas gostaria que vos me esclarecesses uma coisa. A mim pareceu, se bem entendi, que todos vós têm a capacidade de ver o futuro, mas com o presente, o mesmo não ocorre.
- Os espíritos são capazes de prever o futuro, mas não podem ver o presente. Um dia, quando a porta para o futuro for fechada para sempre, todo o nosso conhecimento será findo.
- Então - pedi, arrependido - dizei àquele que desceu na tumba que o filho dele ainda vive. Foi por não compreender que os espíritos nada sabiam do presente, que eu fiquei em silêncio.
O mestre já me chamava, então, fiz uma última pergunta a Farinata. Perguntei-lhe se havia outros conhecidos que com ele compartilhavam aquela tumba.
- Com mais de mil jazo neste valo. - respondeu - O imperador Frederico está comigo, e também o Cardeal Ottaviano. Sobre os outros, eu me calo.
Depois disso, calou-se e desapareceu. Eu perguntei ao mestre sobre o que esperar das previsões de Farinata e ele me respondeu:
- Guarde em memória tudo o que aqui ouviste contra ti, mas espere até chegares a encontrar Beatriz, pois o olhar dela tudo conhece.
Dobrando agora à esquerda, caminhamos do muro para o meio, onde começava uma vereda que descia para um fosso profundo, de um ar mais espesso e malcheiroso.

Túmulo do papa Anastácio
Explicação sobre a justiça infernal
Chegamos à beira de um precipício, onde havia um barranco derrubado, cujas pedras formavam uma grande rampa que permitiria nossa descida. Porém, o ar denso e fedorento que emanava do abismo, nos afastou de sua borda, de forma que tivemos que nos proteger sob a cobertura de uma tumba onde estava escrito: "Aqui jaz o papa Anastácio que Fotino desviou do bom caminho".
- Nós teremos que atrasar um pouco a nossa descida para que possamos nos acostumar com este ar poluído - disse Virgílio.
- Devemos então encontrar uma forma de aproveitar esse tempo utilmente - sugeri.
Ele concordou. Iniciou, então, uma detalhada explicação sobre a geografia dos três círculos restantes do inferno.
- Meu filho, depois deste barranco há mais três círculos, concêntricos, organizados em degraus, como os anteriores. - disse ele. - Toda a maldade é alcançada ora através da violência ora através da fraude. Embora ambas sejam odiadas pelo céu, a fraude, por ser uma perversão exclusiva do homem, desagrada mais a Deus. Os fraudulentos, portanto, são colocados nas valas mais profundas do inferno, onde sofrem muito mais.
O próximo círculo (sétimo) que nós encontraremos é o dos violentos, que se divide em três giros, classificados de acordo com a vítima da violência praticada. No primeiro giro estão aqueles que praticaram violência contra o próximo ou contra os bens do próximo. Lá sofrem os assassinos, assaltantes e tiranos em grupos diferentes, de acordo com a gravidade de seus crimes. No segundo giro estão aqueles que praticaram a violência contra si próprios ou contra seus próprios bens. Os suicidas e gastadores que arruinaram suas próprias vidas (no jogo, por exemplo) se encaixam neste grupo. No último giro do sétimo círculo estão aqueles que praticaram violência contra Deus. São os que, orgulhosos, não acreditaram nele ou que o atacaram com blasfêmias, através da destruição e desprezo pela sua criação ou pela exploração da criação dos seus filhos através da usura.
Clique para ver planta baixa
Vista do sétimo círculo (fosso da cidade de Dite) com suas três subdivisões: rio Flegetonte (sangue fervente), floresta das Hárpias e deserto de brasas. Ilustração de Helder da Rocha.
Nos dois últimos círculos estão os que praticaram a fraude. Eles premeditaram seus atos e têm plena consciência do mal que causaram. Um homem pode praticar dois tipos de fraude: contra pessoas que confiam nele ou contra estranhos que podem suspeitar dele. Este último tipo só destrói o vínculo do homem com a natureza e é punido no oitavo círculo onde encontraremos hipócritas, aduladores, ladrões, falsários, simoníacos, sedutores e trapaceiros. O primeiro tipo de fraude desfaz não só o vínculo do homem com a natureza, mas também aquele vínculo de confiança estabelecido com outros homens. É, portanto, no menor dos círculos, no nono e último, junto com Dite (Lúcifer), onde são punidos os que traíram aqueles que neles confiaram.
Quando o mestre concluiu seu discurso, perguntei-lhe:
- Por que alguns pecadores cumprem suas penas (mais leves) fora da cidade de Dite e outros cumprem penas mais pesadas dentro da cidade? Por que todos não estão aqui?
- Será que tu já esqueceste o que diz a tua Ética - respondeu -, quando ela explica em detalhes, as três coisas que ao céu mais desagradam: incontinência, malícia e bestialidade? A culpa por ter pecado por causa de incontinência ofende menos a Deus. Se você lembrar com cuidado essa doutrina, entenderá por que aqueles lá de cima foram separados destes maliciosos aqui em baixo.
A explicação foi bastante esclarecedora, mas uma dúvida ainda me atormentava. Eu não entendia como a usura podia ser um pecado de ofensa a Deus. Fiz, então, essa pergunta a Virgílio, que me respondeu:
- Mostra a filosofia, àquele que a compreende, como a Natureza se manifesta a partir do intelecto divino e da sua Arte. Se recorreres a tua Física, encontrarás, bem no início, como a vossa Arte também imita a Natureza. E, como o aprendiz que segue os ensinamentos do seu mestre, a Arte, sendo filha do homem, torna-se quase neta de Deus. Se lembras o que diz o Gênese, logo no início: convém ao homem tirar da Natureza e de sua Arte os meios para a sua sobrevivência. Mas o usurário, ao seguir outros caminhos, agride à Natureza e a Arte, que dela deriva, pois em outra coisa (o dinheiro) põe suas esperanças.
A aurora já se aproximava e o mestre me chamou para continuar a jornada, pois ainda faltava muito antes que chegássemos à descida para o rochedo.

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