sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Circulo 2 (Mercurio)

Amigos meus! Vamos estudar agora, cuidadosamente, o segundo círculo
dantesco. Quero referir-me, de forma enfática, ao aspecto negativo, ou
melhor dizendo, submerso do planeta Mercúrio.
Não vamos falar sobre o céu de Mercúrio. Repito, é indispensável que
investiguemos um pouco o relacionado estritamente com a antítese daquele
brilhante céu.
Quando penetramos no interior da Terra com o corpo astral, podemos
perfeitamente verificar, por nós mesmos e de forma direta, o que é o inferno
de Mercúrio.
Ao penetrar nesta região submersa, sentimos, no fundo de nossa alma, o bulir
perpétuo dessas forças passionais negativas que fluem e refluem
incessantemente nesta zona subterrânea.
Não é demais dizer que ali sentimos o enfurecido vento de Mercúrio, certo
elemento aéreo fatal.
É tal zona subterrânea o lugar onde vivem os fornicários, aqueles que gozam
extraindo do seu organismo o esperma sagrado.
Essas infelizes criaturas do mundo soterrado, mergulhadas no vício,
desesperadamente vão e vêm por aqui, por ali e acolá. Ficamos assombrados
ao ver esses perdidos coabitarem incessantemente nos infernos atômicos da
natureza.
Tais egos blasfemam incessantemente e odeiam de morte tudo aquilo que
tenha sabor de castidade.
Ali encontramos a imperatriz Semíramis, terrível fornicária que estabeleceu,
em seu país, leis que favoreceram as paixões animais.
Nessa morada de Plutão achamos também a rainha Dido, que se matou por
paixão, depois de haver jurado fidelidade às cinzas de Ciqueu. Alí Páris, que
seqüestrara a bela Helena da antiga Tróia, e Aquiles, o impetuoso guerreiro
destruidor de cidadelas.
Tártaro das desditas, abismos de iniqüidade, espanto, horrores! Com
profunda dor, podemos achar no segundo círculo dantesco os boddhisattwas
caídos, aqueles que assassinaram o deus Mercúrio, infelizes almas que
trocaram seus direitos de primogenitura por um prato de lentilhas.
Que dor sentimos no fundo de nossa Consciência ao descobrir, nesses
abismos mercurianos, os anjos caídos, citados pelas antigas teogonias
religiosas.
Vão e vem pelos ares negros da submergida região aqueles que trocaram o
cetro de poder pelo fuso de Ônfale.
Região onde o entendimento humano não trabalha; mundo de instintos
brutais onde a lascívia se mescla com o ímpeto de violência.
Eis aí os mistérios de Minos ou de Minna! Profundidades espantosas onde
vivem os tântricos negros que desenvolveram o abominável órgão
Kundartiguador (causa de tantos males). Ah! Se o glorioso Arcanjo Sakaki,
com sua comitiva sagrada, tivesse previsto com exatidão matemática os
resultados fatais daquela cauda satânica, daquele órgão das abominações
que outrora permitiu à humanidade desenvolver-se com propósitos
planetários definidos, quão diferente seria o porvir da pobre humanidade
doente!
É ostensível que cada ser humano é uma criatura que capta as distintas
forças cósmicas para transformá-las e transmiti-las às camadas interiores da
Terra.
Como no continente lemur, faz já uns 18 milhões de anos, a Terra tremia
incessantemente, arrojando seus vulcões fogo e lava, certos indivíduos
sagrados, encabeçados pelo Arcanjo Sakaki, permitiram o desenvolvimento
do abominável órgão Kundartiguador, fogo luciferino terrivelmente negativo,
projetando-se do cóccix para os infernos atômicos do homem.
Não é demais recordar que o citado Fohat negativo foi descoberto com a
cauda física, tal como o vemos nos símios. Então, os moradores da Terra
levaram em sua presença tal apêndice ou projeção de sua espinha dorsal.
As forças que naquela época passaram através dos humanos organismos
sofreram, por isso, categóricas modificações que permitiriam a estabilidade
da crosta terrestre.
Muito mais tarde na história dos séculos, outros indivíduos sagrados,
considerando já desnecessário o abominável órgão Kundartiguador (cauda de
Satã), eliminaram dos humanos corpos tal apêndice.
Desafortunadamente, os péssimos resultados do órgão dos conciliábulos de
bruxos ficaram nos cinco cilindros da máquina orgânica conhecidos como
intelecto, emoção, movimento, instinto, sexo.
Aprofundando neste tema, podemos descobrir, por nós mesmos, que tais
resultados tenebrosos estão perfeitamente definidos como agregados
psíquicos ou eus pendenciadores e gritões, personificando erros e
constituindo o ego, o mim mesmo, o si mesmo.
Na esfera submersa de Mercúrio habitam milhões de humanas criaturas com
o abominável órgão Kundartiguador totalmente desenvolvido.
Não quero com isto dizer que a cauda física dos símios se encontre
atualmente desenvolvida na anatomia dos bípedes tricerebrados ou
tricentrados. Certamente, aí existe um resíduo ósseo da abominável cauda,
muito incipiente na anatomia humana. No entanto, o aspecto psíquico de tal
órgão encontra-se na presença metafísica de milhões de humanóides
racionais.
Isto o viemos a evidenciar de forma clara quando, vestidos com nosso corpo
astral, penetramos nos domínios submersos de tipo mercurial, sob a
epiderme do planeta Terra.
P. – Querido Mestre, desejo saber se as pessoas e os fatos que figuram em
sua exposição do segundo círculo dantesco são simplesmente mitológicos ou
reais; pois, ainda que Dante os menciona, entendemos que a obra dele é
simplesmente uma peça literária de grande mérito.
V.M. – Nobre cavalheiro! Distintas damas! Seja-me permitido afirmar
solenemente que a Divina Comédia de Dante é um texto iniciático esotérico
que muito poucos seres humanos compreenderam.
Os personagens mitológicos citados neste texto, ou moradores da esfera
submersa de Mercúrio, representam, simbolicamente, as vivas paixões
animalescas de tal região.
O impetuoso Aquiles com seus terríveis desenfreios sexuais, a Helena
adulterina, Páris, o libidinoso de sempre, personificam, claramente, os
habitantes da zona tenebrosa de Mercúrio.
Em particular quero dizer que um destes personagens, aquela Helena,
raptada por Páris e causa de tantos males nos antigos tempos, tem outros
simbolismos positivos mais formosos, sobre os quais não quero falar nestes
momentos.
Olhemos unicamente seu aspecto abismal, a antítese do resplandecente, a
face tenebrosa mercurial. Senhores, senhoras! Recordai que cada símbolo
pode ser traduzido de sete formas diferentes. Esta noite só estamos
estudando este abismo muito particular de tipo mercurial, debaixo da
epiderme do planeta em que vivemos.
P. – Mestre, poderia dizer-me se este círculo mercurial é de uma escala mais
densa e de maior sofrimento que a primeira?
V.M. – Amigo que faz a pergunta! Recorde o senhor o que já em passadas
conferências dissemos, quando estudamos o raio da criação.
É evidente que a maior número de leis, maior número de mecanicidade e dor.
A esfera submersa da Lua é governada exclusivamente por 96 leis. Não
obstante, o aspecto tenebroso de Mercúrio, dentro da massa planetária em
que vivemos, é constituído por 192 leis. Portanto a mecanicidade é ainda
maior e, por isso, os sofrimentos são muitíssimo mais intensivos. Além do
mais, os átomos desta tenebrosa esfera mercurial são muito mais pesados.
Cada um destes contém, em seu interior, 192 átomos do Absoluto.
Isto quer dizer que a mercurial região tenebrosa é, portanto, mais densa que
a lunar.
P. – Mestre, desta zona submersa de Mercúrio, não têm possibilidades de
retornar as almas que aí ingressam?
V.M. – Distinta dama! Honoráveis senhores! Não esqueçam vocês que ao
lado da justiça está sempre a misericórdia.
Nessas tenebrosas regiões abismais moram alguns Mestres da Grande Loja
Branca, grandes Iniciados, seres divinos que renunciaram a toda felicidade
para auxiliar os perdidos.
Quando alguma alma se arrepende na morada de Plutão, indubitavelmente, é
sempre assistida por estes santos.
Inquestionavelmente, estes seres instruem, admoestam e mostram o caminho
da luz a todos aqueles que de verdade se arrependem de suas
perversidades.
De quando em quando, ainda que muito rara vez, logram os divinos seres
tirar dos abismos de perdição alguma alma arrependida.
Quando isto sucede, esses que estavam condenados à perdição retornam,
reingressam, reincorporam-se num novo organismo.
P. Por quê, Mestre, faz o senhor fincar pé em que a primeira região submersa
lunar é a dos mortos e, por outro lado, não o afirma quanto à segunda zona
submersa de Mercúrio?
V.M. – Bem, senhor, escute-me! Revise você, com cuidado, a Divina
Comédia de Dante. Investigue por si mesmo, aprende a mover-se consciente
e positivamente em corpo astral, experimente, veja.
Obviamente, o Orco dos clássicos, o "Limbus" dos cristãos e tão só a
ante-sala do Inferno, ainda que corresponda ao primeiro círculo dantesco.
Todo Iniciado sabe que, em tal região, vivemos, depois de mortos, milhões de
seres humanos.
O encontro com Minos, o demônio que marcara com as voltas de sua cauda o
círculo onde devem ir os defuntos, só o achamos na esfera submersa de
Mercúrio. Não é, pois, isto um capricho meu. Repito, quem queira investigue
por si mesmo, de forma direta, e corroborará minhas afirmações.
P. – Mestres, não compreendo o que o senhor acaba de dizer. Por que no
mundo soterrado de Mercúrio habitam os eus fornicadores que também
constituem o mim mesmo, ou o eu sou, e o mesmo sucede no primeiro círculo
dantesco?
V.M. – Bem, senhor! Indubitavelmente, quase todos os bípedes tricerebrados
ou tricentrados, equivocadamente chamados homens, resultam, no fundo,
mais ou menos fornicários. Não obstante, a Grande Lei, como já disse em
passadas conferências, assinala a toda alma 108 existências em cada ciclo
de manifestação cósmica.
É evidente, é palmário e manifesto que ninguém pode ser arrojado ao abismo
de perdição sem haver cumprido seu ciclo de existências.
Normalmente, os defuntos vivem no Limbo, representado, este último, por
todas as cavernas da Terra. Só aqueles fornicários que já esgotaram seu
ciclo de existências humanas ingressam definitivamente na submergida
região negativa de Mercúrio.
Entretanto, rogo-vos, por favor, compreender-me. Existem sobre a Terra,
algumas vezes, verdadeiros monstros humanóides que já não oferecem
nenhuma possibilidade de redenção. São casos definitivamente perdidos e,
ainda que não tenham esgotado o ciclo completo de 108 existências,
inquestionavelmente entram nos mundos infernos.
P. – Mestre, sabemos que a esfera de Mercúrio é dos fornicários. Quer isto
dizer que os eus se dividem nos diferentes círculos dantescos de acordo com
os distintos agregados psíquicos?
V.M. – Jovem que faz a pergunta! É claro que o ego é uma soma de diversos
agregados psíquicos que personificam erros. Alguns destes correspondem
especificamente a um círculo dantesco e outros se acham intimamente
vinculados com outros círculos mais submersos. Entretanto, a totalidade, a
soma de valores negativos em seu conjunto, precipita-se, involuindo, dentro
do reino mineral, até o centro de gravidade planetária.
A Consciência dos condenados deve experimentar, em cada círculo
descendente, em cada infradimensão da natureza, sob a região tridimensional
de Euclides, seus correspondentes defeitos psicológicos.
Esta noite estamos falando exclusivamente sobre o círculo segundo. Mais
tarde, depois de haver revisado os nove círculos dantes, estudaremos
detidamente a lei do movimento perpétuo. Então, todos vocês, senhores e
senhoras, poderão aprofundar-se um pouco mais no tema que corresponde à
pergunta que fez o jovem aqui presente.
P.- Mestre, quer dizer que neste círculo, que corresponde à luxúria, a
fornicação se tornou terrivelmente mecânica e, por isso, dolorosa e
asquerosa?
V.M. – Bom amigo, escute-me! Entre esse ar negro e fatal, a luxúria sói
mesclar-se com a violência e, então, tudo se torna instintivo e brutal.
Entendido?
P. – O que desconcerta tremendamente, Venerável Mestre, é que, apesar das
torturas que nessa círculo se sofre, os que aí moram crêem que vão muito
bem. Quisera explicar-nos esta questão?
V.M. – Nobre senhor! As pessoas do Abismo pensam de si mesmas sempre o
melhor; crêem firmemente que marcham pela senda da retidão e do amor e
consideram que aqueles que andamos pela senda da Revolução da
Consciência marchamos, como dizem eles, até a nossa própria destruição.
Quero que os senhores saibam que os tenebrosos, movidos por boas
intenções, nos tentam incessantemente, com o propósito, "diz que", de nos
salvar. Nessas regiões abismais vemos muitos anacoretas, penitentes,
faquires, místicos, monges, etc., etc., etc., admoestando diversos grupos
humanos e totalmente convencidos de que vão muito bem.
P. – Mestre, estas almas que estão tão convencidas de que vão muito bem
não sabem que estão no Inferno?
V.M. – Nobre senhora que faz a pergunta! A palavra inferno vem do latim
"infernus" que significa região inferior. No interior da Terra, achamos o mundo
dos elementais naturais e é inquestionável que os perdidos jamais
considerariam tais elementos ou as submergidas regiões como lugar de
perdição.
As pessoas normais comuns e correntes têm a Consciência adormecida; mas
aquelas que entram nas regiões abismais despertam no mal e para o mal.
Tais pessoas têm uma idiossincrasia psicológica muito especial, uma lógica
fatal de tipo diferente.
Não estranhe a senhora, não se assombrem os senhores de que, para os
perdidos abismais, o branco é negro e vice-versa. Nomear a Jesus, o Grande
Kabir, ou à Divina Mãe Kundalini nestas regiões submersas é, para tais
condenados, uma blasfêmia, algo imperdoável e, consequentemente, isto
eqüivaleria a provocar sua ira. Então, vê-los-íamos furibundos a nos atacar.
Não ignoram os perdidos o fato concreto de que devem passar pela morte
segunda, mas não a temem. Imploram-na, pedem-na, sabem que essa é a
porta de escape para retornar à superfície da Terra e reiniciar um novo
ascenso evolutivo, que terá de marchar desde a pedra até o homem.
Entendido?
P. – Mestre, uma pessoa como eu, que sigo uma abstenção sexual absoluta,
estaria, acaso, livre de ingressar ao segundo círculo dantesco?
V.M. – Amigos, irmãos! É indispensável, é urgente e inadiável saber que a
luxúria se processa nas 49 regiões do subconsciente.
Muitos santos que chegaram à suprema castidade no nível meramente
intelectivo fracassaram quando foram submetidos a provas nas regiões mais
profundas do subconsciente.
Alguém poderia, por exemplo, ter conseguido a castidade em 48 regiões do
subconsciente e falhar na 49.
Muitos homens e mulheres virtuosos, que se autoqualificaram de castos e
inocentes, são, agora, habitantes do segundo círculo dantesco.
Milhares de religiosos, sacerdotes de todas as crenças, que creram haver
conseguido a mais absoluta castidade, vivem, agora, no inferno de Mercúrio.
Que ninguém, pois, se autoqualifique de casto. "Quem se sinta segura que
olhe para trás e não caia."
P. – Mestre, o senhor está mencionando 49 regiões do subconsciente e,
francamente, posso dizer que é a primeira vez que ouço tal número; pois, em
nenhum dos tratados de psicologia, parapsicologia e psicanálise, onde são
mencionados e estudados os processos da consciência, subconsciência e
infraconsciência, etc., são mencionados essas 49 divisões ou regiões que o
senhor cita. Por que é isto?
V.M. – Distintos senhores! Damas que me escutam! Convém que recordemos
a constituição setenária do homem autêntico.
Como o bípede tricerebrado ou tricentrado, equivocadamente chamado
homem, ainda não despertou a Consciência, não criou os corpos existências
do Ser, só possui, em verdade, estados subconscientes, subjetivos.
Multiplique o senhor o sétuplo aspecto por si mesmo e terá as 49 regiões
subconcientes de todo humanóide.
Obviamente, despertando Consciência, estes 49 estados tornam-se
conscientes e só então teríamos objetividade conscientiva, integral.
Necessitamos transformar o subconciente em consciente, e isto somente é
possível desintegrando os agregados psíquicos que constituem o ego, o mim
mesmo, o si mesmo.
Recordemos que a Consciência está engarrafada em tais agregados.
Desintegrando estes últimos, ela se torna desperta.
A luxúria, a fornicação do círculo submerso de Mercúrio, sob a crosta
terrestre, é certamente o fundamento, a base do ego existencial.
P. – Alguns de seus livros, Mestre, explicam que, para despertar Consciência,
deve-se dissecar, com o intelecto, o eu, ou defeito psicológico, que se deseja
eliminar, e que isto se faça nos 49 departamentos do subconsciente. Porém,
se ainda não temos a Consciência desperta, como podemos penetrar com o
intelecto nessas 49 regiões? Quisera explicar-nos isto?
V.M. – Amigos! Não seria possível poder desintegrar radicalmente o ego de
forma instantânea e simultaneamente em todas as 49 regiões
subconscientes.
Convido-os a refletir, a investigar este assunto de forma clara e perfeita.
Quando queremos aniquilar qualquer defeito psicológico, a luxúria, por
exemplo, ou qualquer outro, devemos, antes de tudo, compreendê-lo.
Não obstante, a compreensão unitotal do defeito em questão não poderia ser
um fato imediato nas 49 regiões subconscientes. Isto significa um avanço
progressivo no caminho do entendimento.
De forma gradual iríamos compreendendo e eliminando os eus do defeito em
questão em cada uma das regiões subconscientes. Isto marcaria um
desenvolvimento da Consciência metódico, profundo e ordenado.
Conforme a Consciência vai despertando, a compreensão se faz cada vez
mais clara, até chegar ao nível final. Então, o defeito seria aniquilado
radicalmente.
Minós - Círculo da luxúria (2)
Espíritos de Paolo e Francesca
Assim que entramos no segundo círculo, lá estava Minós, rangendo terrivelmente. Ele ficava na entrada e recepcionava os pecadores, julgando-os um por um. Ouvia suas confissões e proferia a sentença, se enrolando na própria cauda. O número de voltas que dava a sua cauda indicava quanto deveria descer o pecador para o seu lugar nas profundezas do inferno. Uma grande multidão se amontoava diante daquele juiz. Cada pecador falava, ouvia sua sentença, e era atirado no abismo.
- Ó tu que entras no asilo da dor - disse Minós ao me ver, interrompendo seu ofício -, vê bem em quem confias e como entras aqui. É fácil de entrar, mas não te enganes!
- Por que gritar? - respondeu Virgílio ao juiz dos mortos - Não podes impedir esta jornada, pois lá, onde tudo o que se quer se pode, isto se quer e não peças mais nada!
Minós se calou, e nós prosseguimos. Pouco a pouco comecei a perceber sons tristes, muito pranto e lamentos. Neste lugar escuro onde eu me encontrava, o som das vozes melancólicas se assemelhava ao assobio do mar durante uma grande tormenta. Os tristes sons emanavam de um enorme redemoinho. Eram almas sofredoras, sacudidas pelo vento que nunca cessava. Entendi que era o castigo pela transgressão da carne, que desafia a razão, e a submete à sua vontade.
No escuro vento vi várias sombras que passavam se lamentando e ao mestre perguntei:
- Mestre, quem são essas pessoas que o vento tanto castiga?
- A primeira, cuja história deves conhecer - explicou o mestre -, foi imperatriz de povos de muitas línguas. É Semíramis, a sucessora e esposa de Nino. A que a segue é a viúva de Siqueu, que se matou por amor. Ali tu vês Cleópatra, luxuriosa. Veja Helena, e também Aquiles, Páris, Tristão. - e, uma por uma, me indicou outras mil sombras que tiveram suas vidas desfeitas pelo amor.

Virgílio e Dante observam as almas condenadas pelo pecado da luxúria sendo carregadas pelo vento. No primeiro plano, Paolo e Francesca. Ilustração de Gustave Doré (séc XIX).
- Poeta - eu falei - eu gostaria, se for possível, de falar com aqueles dois, unidos, que tão leves parecem ser ao vento.
- Espera - respondeu -, em breve estarão próximos de nós, e quando a fúria do vento diminuir, peça, pelo amor que os conduz, que eles virão.
Então, quando a tormenta cedeu um pouco, eu chamei:
- Ó almas sofridas, falai conosco, se isto for permitido! Elas ouviram, entenderam meu pedido. Deixaram o bando onde estavam as outras e se aproximaram. Uma delas falou:
- Ó ser gracioso e benigno, o que desejares ouvir ou falar conosco, nós ouviremos e falaremos, se o vento permitir. Nasci na terra onde o Pó deságua. Amor, que ao coração gentil logo se prende, tomou este aqui, pela beleza da pessoa que de mim foi levada, e o modo ainda me ofende. Amor, que a nenhum amado amar perdoa, prendeu-me, pelo seu desejo com tanta força que, como vês, ele ainda não me abandona. Amor nos conduziu a uma só morte. Caína aguarda aquele que tirou as nossas vidas.

Paolo e Francesca lendo o livro de Galeoto - Dante e Virgílio - Paolo e Francesca no Inferno.Pintura de Dante Gabriel Rossetti (séc XVIII).
Ao ouvir esse lamento, baixei o rosto, e permaneci assim, até Virgílio me despertar. Voltei novamente àquele casal, e perguntei:
- Francesca, o teu martírio me traz lágrimas aos olhos, mas dize-me, como permitiu o amor que tomásseis conhecimento de vosso sentimento recíproco?
- Não há maior dor, que lembrar da felicidade passada - disse ela - mas se teu grande desejo é saber, te direi como quem chora e fala. Líamos um dia a sós, sobre o amor que seduziu Lancelote. Várias vezes essa leitura nos ergueu olhar a olhar. Mas foi quando chegamos àquele ponto que falava do sorriso que desejava ser beijado por um perfeito amante, que este aqui que nunca me seja apartado, tremendo, beijou-me na boca naquele instante. Nosso Galeoto foi aquele livro e quem o escreveu. Desde aquele dia, não o lemos mais adiante.
Enquanto uma alma contava a sua história triste, a outra chorava sem parar ao seu lado, e eu, comovido de piedade e dor, desmaiei, e caí como um corpo morto cai.

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