quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Circulo Da Lua

Amigos meus! Hoje, aqui reunidos novamente, vamos estudar o primeiro
círculo dantesco dos mundos infernos.
É indubitável que esta primeira região submersa corresponde ao "Limbus", o
Orco dos Clássicos, citado por Virgílio, o poeta de Mântua.
Foi-nos dito, com inteira claridade meridiana, que tal zona mineral se acha
vivamente representada por todas as cavernas do mundo que, unidas
astralmente, vêm complementando a primeira região submersa.
Diz Dante, o velho florentino, que em tal região encontrou todos aqueles
inocentes que morreram sem haver recebido as águas do batismo. Deve-se
entender tudo isto de forma estritamente simbólica.
Se nós estudamos cuidadosamente o Ramaiana, o livro sagrado dos
indostânicos, com assombro místico podemos evidenciar o fato contundente e
definitivo de que o Sacramento do Batismo é muito anterior à era cristã.
No Ramaiana podemos verificar o insólito caso de Rama, que certamente fora
batizado por seu guru.
Inquestionavelmente, ninguém recebia, nos antigos tempos, a água batismal
sem haver sido, antes, plenamente instruído sobre os mistérios do sexo.
É, pois, o Sacramento do Batismo um pacto de magia sexual.
Resulta extraordinário que, ao ingressar em qualquer escola de mistérios, o
primeiro que se recebia era o Sacramento do Batismo.
É indispensável, é urgente transmutar as águas puras de vida no vinho de luz
do alquimista. Só assim é possível lograr a auto-realização íntima do Ser.
No Orco dos clássicos, no Limbo, encontramos muitos homens ilustrados que
morreram sem haver recebido as águas do batismo.
Equivocados sinceros, cheios de magníficas intenções; porém equivocados.
Pessoas que creram possível a liberação sem necessidade da magia sexual.
Assim, pois, na primeira região sublunar, debaixo da epiderme deste planeta
em que vivemos, moram, frios e sepulcrais, os defuntos.
Sente-se verdadeira tristeza, suprema dor ao contemplar tantos milhões de
desencarnados, vagando com a Consciência adormecida na região dos
mortos.
Vede-os aí, como sombras frias, com a Consciência profundamente
adormecida, como espectros da noite!
As sombras dos mortos vão e vêm por todas as partes, no primeiro círculo
dantesco. Ocupam-se das mesmas atividades da vida que passou; sonham
com as recordações do ontem; vivem no passado.
P. – Tem-nos explicado o senhor, Mestre, que, na primeira região
subterrânea sublunar, denominada Limbo, habitam as almas dos que não
foram batizados, entendendo-se por batismo um pacto de magia sexual, o
que me move a fazer a seguinte pergunta: Acaso todos os seres que não
tenham praticado magia sexual penetram na citada região automaticamente
ao desencarnar?
V.M. – Distinto amigo! Sua pergunta resulta bastante interessante e me
apresso a responder-lhe.
Quero que os senhores compreendam que a primeira região submersa é
como a ante-sala do Inferno. Obviamente vivem ali as sombras de nossos
seres queridos; milhões de seres humanos que jamais transmutaram as
águas seminais no vinho de luz da alquimia.
São poucas aquelas Essências, aquelas almas que, depois da morte, logram
realmente umas férias nos mundos superiores.
É indubitável que a maior parte dos seres humanos retorna de imediato a um
novo organismo humano, passando uma temporada no Limbo, antes de se
reincorporar novamente.
Não obstante, devido ao estado crítico em que atualmente vivemos,
inumeráveis falecidos submergem definitivamente nos mundos infernos,
passando pelas esferas tenebrosas da Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte,
Júpiter, Saturno, Urano e Netuno.
A última desta regiões é definitiva. Ali passam os perdidos pela desintegração
final, a morte segunda, tão indispensável. Graças a esta espantosa
aniquilação, a Essência, a ala logra liberar-se das regiões do Tártaro, para
ascender à superfície planetária e reiniciar uma nova evolução que haverá de
recomeçar, inevitavelmente, desde o reino mineral.
P. – Como se deve entender, Venerável Mestre, o que, na linguagem da
Igreja Romana, se diz que no Limbo entram os meninos inocentes?
V.M. – Distinto amigo.Isto dos meninos inocentes deve ser entendido de
forma simbólica, alegórica.
Interprete-se a palavra "inocentes" não em sua forma prístina original, senão
como ignorância radical.
Certamente, aquele que desconhece os mistérios do sexo é ignorante, ainda
que se presuma de sábio e possua uma vasta erudição.
Recorde que há muitos ignorantes ilustrados que não somente ignoram,
senão que, além disso, ignoram que ignoram. Entendido?
P. – Mestre, quer o senhor dizer que a pessoa que não tenha fabricado seus
corpos solares não foi batizada?
V.M. – Distinto jovem! Alegra-me sua pergunta, o que nos dá base para uma
bela explicação. As Sagradas Escrituras falam claramente do traje de bodas
da alma, o To Soma Heliacon, o corpo de ouro do homem solar, viva
representação dos corpos supra-sensíveis que toda criatura humana deve
formar.
Em nossos passados livros já falamos claramente sobre o trabalho
relacionado com a criação dos corpos existenciais do Ser e, por isso, creio
que nossos estudantes gnósticos poderão, agora, entender-nos.
É indubitável que o animal intelectual, equivocadamente chamado homem,
não possui tais veículos e, portanto, deve criá-lo, trabalhando na Frágua
Acesa de Vulcano (o sexo). Vem-me à memória, nestes instantes, o caso de
um amigo que desencarnou há já alguns anos. Este era um gnóstico
convencido. Contudo, não alcançou fabricar seus corpos existências do Ser.
Isto o pude evidenciar na região dos mortos, no Limbo.
Fora do corpo físico o encontrei. Tinha aspecto gigantesco e seu rosto
espectral era, certamente, do panteão ou cemitério.
Andava com ele por distintos lugares, por diversas ruas de uma cidade.
Inquestionavelmente, sob a região tridimensional de Euclides, no Limbo.
- Está você morto! Disse-lhe.
- Como? Impossível! Eu estou vivo! Tal foi sua resposta.
Ao passar perto de uma régia mansão, fi-lo entrar com o propósito de que se
olhasse num espelho. Ele obedeceu minha indicação e, então, o vi muito
surpreso.
- Trate de flutuar! Continuei dizendo. Dê um saltinho para que se
convença você de que já está morto.
Aquele fantasma, obedecendo, quis voar; mas o vi precipitar-se de cabeça,
ao invés de ascender como as aves. Neste instante, assumiu diversas figuras
animalescas.
- Tem você agora forma de cavalo, de cachorro, de gato, de tigre,...
Assim lhe fui dizendo, conforme suas distintas facetas animalescas
ressaltavam.
Certamente, aquele fantasma era formado por um conjunto de eus
pendenciadores e gritões que se penetravam e compenetravam mutuamente,
sem se confundir. Inúteis foram meus esforços. Aquele desencarnado não
pôde entender-me; era um habitante da região dos mortos. Uma soma de
eus personificando defeitos psicológicos.
Apesar daqueles amigo ter conhecido a Gnose, não havia conseguido fabricar
seu corpo astral. Agora só tinha, ante minha vista, um conjunto de fantasmas,
dando a impressão de uma personalidade de fachada. É óbvio que tal sujeito
não havia recebido o Sacramento do Batismo. Com outras palavras, diremos
que não havia transmutado as águas puras de vida no vinho de luz dos
alquimistas.
P. – Mestre, quer dizer, então, que os que habitam a região dos mortos, ou
seja, o Limbo, sempre terão a oportunidade de retornar a uma nova matriz?
V.M. – Distinto amigo! Não olvide você que o deus Mercúrio, com seu
caduceu, tira sempre as almas submersas no Orco, com o propósito de
reincorporá-las num novo organismo. Só assim é possível que, um dia
qualquer, possamos ser batizados de verdade. Entendido?
P. – Querido Mestre! Eu entendo que no Limbo ingressam a Essência e os
eus do defunto; porém, que não é uma região de sofrimentos. Estou no
correto?
V.M. – Distinto cavalheiro! Já que você fala sobre Essência e sobre eus, é
bom que coloquemos as cartas sobre a mesa de uma vez, para esclarecer
conceitos e definir posições doutrinárias.
Muitos crêem que o ego, o eu, o mim mesmo, o si mesmo, é algo demasiado
individual. Assim o supõem, equivocadamente, os múltiplos tratadistas da
moderna psicologia.
Nós, os gnósticos, vamos mais longe; gostamos de aprofundar, penetrar em
todos os mistérios, inquirir, indagar, etc., etc., etc.
O eu não possui individualidade alguma; é uma soma de diversos agregados
psíquicos que personificam nossos defeitos psicológicos; um punhado de
erros, paixões, ódios, temores, vinganças, ciúmes, ira, luxúria,
ressentimentos, apegos, cobiças, etc., etc.
Estes diversos agregados têm formas animalescas variadas nas regiões
hipersensíveis da natureza.
Ao morrer, todo esse conjunto de eus pendenciadores e gritões, toda essa
variada gama de agregados psíquicos continua mais além do sepulcro.
Dentro de tais valores negativos, acha-se enfrascada nossa Essência
anímica, o material psíquico.
É, pois, ostensível que tal matéria anímica embutida dentro do ego submerge
no Orco, no Limbo, para retornar, um pouco mais tarde, a este mundo físico.
P. – Mestre, para uma pessoa adormecida, comum e corrente, seria uma
continuação de sua vida o Limbo?
V.M. – Amigo, jovem que faz a pergunta! Considero que está um pouco
equivocada; é necessário perguntar melhor para esclarecer.
Não existe nenhum amanhã para a personalidade do morto. Toda
personalidade é filha de seu tempo; nasce em seu tempo, morre em seu
tempo.
Aquilo que continua mais além do sepulcro é o ego, soma de diversos
agregados psíquicos, animalescos e brutais. Quando eu contemplava o amigo
do meu relato, com dor pude entender que a personalidade dele havia sido
aniquilada. Tudo o que tinha, agora, ante minha vista, era uma soma de
grotescas figuras animalescas, penetrando-se e compenetrando-se
mutuamente, para dar uma falsa aparência de personalidade sepulcral, fria,
espectral.
Que foi feito do meu amigo? Onde estava? Como não havia fabricado o corpo
astral é óbvio que tinha deixado de existir. Se meu amigo tivesse fabricado
um corpo astral, mediante a transmutação sexual, se tivesse praticado magia
sexual realmente, é claro que, sim, teria fabricado o veículo sideral e então
teria continuado com sua personalidade astral nas regiões hipersensíveis da
natureza. Desgraçadamente, este não tinha sido o caso...
Ser batizado, pois, implica em haver praticado magia sexual. Quem não
procedeu assim não recebeu as águas sacramentais; é um habitante do
Limbo.
P. – Mestre, esta falsa personalidade, formada por estes grotescos eus, que
num tempo era seu amigo, poderia chegar a ser seu inimigo nesta região sem
futuro?
V.M. – Jovem amigo! É urgente que você compreenda que o ego é
constituído por muitos eus e que alguns destes podem ser nossos amigos ou
nossos inimigos. Indubitavelmente, alguns eus daquele fantasma ao qual me
referi continuam sendo amigos meus, mas outros é óbvio que podem ser
inimigos ou simplesmente grotescos fantasmas indiferentes.
Em todo caso, é o ego quem retorna desde a região do Limbo, para repetir,
neste mundo físico, todos os dolorosos dramas das existências passadas.
A personalidade, como já disse, é perecedora, não retorna jamais; e isto é
algo que você deve compreender claramente. Saiba diferenciar entre o ego e
a personalidade. Compreendido?
P. – Devo entender, Mestre, que o verdadeiro Sacramento do Batismo o pode
receber só o que se inicia no Caminho do Fio da Navalha?
V.M.- Distinto senhor! O autêntico Sacramento do Batismo, como já disse
nesta conferência, é um pacto de magia sexual. Desgraçadamente, as
pessoas passam pela cerimônia batismal, pelo rito, porém não cumprem o
pacto jamais. Devido a isso é que ingressam no Limbo. Se as pessoas
cumprissem com esse pacto religioso, entrariam de cheio na Sena do Fio da
Navalha, naquele sendeiro citado por Cristo quando disse: "Estreita é a porte
e difícil o caminho que conduz à luz e muitos poucos são os que o acham." É
indispensável saber que o caminho secreto que conduz as almas até a
liberação final é absolutamente sexual.
P. – Mestre, então os desencarnados que têm direito a umas férias são os
que começaram a praticar magia sexual?
V.M.- Distinta senhora que faz a pergunta! Convido-a a compreender que o
ego jamais pode entrar nas regiões celestes. Para os agregados psíquicos só
existe o Abismo e a morte segunda. Entendido?
Não obstante, vamos mais fundo para elucidar e esclarecer esta conferência.
Quando o ego não é demasiado forte, quando os agregados psíquicos são
muito débeis, consegue a Essência pura, a alma, liberar-se por algum tempo,
para entrar nas regiões celestes e gozar de algumas férias, antes de retornar
a este vale de lágrimas.
Desgraçadamente, hoje por hoje, o ego animal se faz muito forte em muitas
pessoas e, por tal motivo, já as almas humanas não têm a dita de tais férias.
Certamente são muito raras, hoje em dia, aquelas almas que logram penetrar
no Devachan, como dizem os teósofos, ou no causal.
Quero que todos os senhores compreendam o fato concreto daquelas almas,
hoje por certo muito raras, que podem gozar, por um tempo, de tão felizes
férias entre a morte e o novo nascimento, são o que poderíamos chamar no
mundo de pessoas muito boas. Devido a isto, a Grande Lei os recompensa
depois da morte. Entendido?
P. – Mestre, essas almas que conseguem escapar do ego para desfrutar de
umas férias, ao reingressar em outra matriz, têm que voltar a engarrafar-se
no ego?
V.M. – Amigos! O ego somente pode ser destruído, aniquilado de duas
formas. Primeiro, mediante o trabalho consciente em nós mesmos e dentro de
nós mesmos, aqui e agora. Segundo, nos mundos infernos, mediante a
involução submersa, passando por espantosos sofrimentos.
Inquestionavelmente, as férias celestes não dissolvem o ego. Uma vez que a
Essência, a alma, esgota os frutos de sua recompensa, ao retornar a este
vale de lágrimas, ficará previamente engarrafada no seu ego, o eu, o mim
mesmo.
P. – Mestre, quando a Essência retorna a uma nova matriz, engarrafada no
ego, depois dessas férias, não traz o anelo de liberar-se para conseguir sua
auto-realização?
V.M. – Distinta dama, sua pergunta é magnífica! Quero dizer à senhora, de
forma enfática, o seguinte: O ascenso aos mundos superiores nos reconforta
e ajuda.
Quando a Essência regressa de uma férias nos mundos superiores de
consciência cósmica, vem fortalecida e com maior entusiasmo. Então, luta
incansavelmente para conseguir sua liberação total. Não obstante, todo
esforço resultaria inútil se não cumprisse com o pacto de magia sexual,
contido no Sacramento do Batismo.
P. – Mestre, poderia dizer-nos como são as regiões do primeiro círculo
dantesco ou da Luz, como se vive e que é que se faz?
V.M. – Ao cavalheiro que faz a pergunta passo a responder de imediato. O
primeiro círculo dantesco, sublunar, representado por todas as cavernas da
Terra, visto internamente, resulta bastante interessante.
Aí encontramos a primeira contraparte submersa de nossas cidades, ruas,
aldeias, comarcas, regiões. Não é, pois, de estranhar que nesta região se
viva uma vida semelhante à atual. De modo algum deve assombrar-nos o
fato de que os falecidos visitem as casas onde viveram ou perambulem pelos
lugares que antes conheceram, ocupando-se nos mesmos ofícios ou
trabalhos que costumavam fazer.
Recordo o caso patético de um pobre carregador de fardos pesados. Seu ego
andava, depois de morto, levando sobre suas espáduas uma carga, volume
ou fardo. Quando lhe quis fazer compreender sua situação, quando lhe dei a
entender que já estava bem morto e que não tinha por que estar carregando
fardos pesados sobre seu corpo, olhou-me com olhos de sonâmbulo. Tinha a
Consciência adormecida; foi incapaz de me compreender.
Os defuntos seguem vendendo em seu armazéns, ou comprando
mercadorias, ou dirigindo automóveis, etc., etc., etc.; cada qual naqueles
mesmos trabalhos em que antes estava ocupado. Resulta assombroso ver
essas cantinas cheias de embriagados desencarnados; essas casas de
prostitutas fornicando mesmo depois de mortas, etc., etc., etc.
P. – Mestre, que processo seguem os que habitam o Limbo para retornar a
este mundo tridimensional?
V.M. – Aqueles que habitam o Limbo devem recapitular a vida que acabam de
passar, revivê-la lentamente. Concluído tal processo retrospectivo, todos os
atos de nossa vida anterior ficam simplesmente reduzidos a matemáticas.
Então, os juizes do carma nos fazem retornar a este vale de lágrimas, com o
propósito de que emendemos nossos erros e busquemos o caminho que há
de levar-nos à liberação final. Isso é tudo!

Limbo (Círculo 1) - Castelo dos iluminados
Acordei ao som de um trovão, já nas bordas abissais do fosso infernal, onde ecoam gritos infinitos. Tão escuro e nebuloso era que, por mais que eu tentasse forçar a vista ao fundo, não conseguia discernir coisa alguma.
- Desçamos ao mundo onde nada se vê. - disse Virgílio - Eu irei na frente e tu me seguirás. - e fez uma indicação para que eu o seguisse. Ele estava com uma aparência muito pálida, e por isso me assustei, hesitando por um instante.
- Como queres que eu te siga tranqüilo, se estás com medo? - perguntei.
- Não é medo. - respondeu - A piedade me clareia o rosto, por causa da angustia das gentes desamparadas que aqui sofrem. Andemos, pois temos ainda um longo caminho pela frente.
E assim ele me guiou para o primeiro círculo que rodeia o poço abissal. Naquele lugar não ouvi sons de lamentação, somente suspiros. Só havia mágoa. Como não lhe perguntei nada, o poeta resolveu me explicar que espíritos eram aqueles que eu estava vendo.
- Estes coitados não pecaram, mas não podem ir para o céu - explicou -, pois não foram batizados. Estão aqui as crianças não batizadas e aqueles que viveram antes de Cristo, como eu. Aqui não temos sofrimento, mas também não temos nenhuma esperança.
Senti pena dele enquanto falava e imaginei quanta gente de valor deveria estar suspensa para sempre nesse limbo, e então perguntei-lhe:
- Algum desses habitantes, por mérito seu ou com a ajuda de outro, pôde algum dia ir para o céu?
- Eu era novato neste lugar - respondeu Virgílio -, quando um Rei poderoso aqui desceu. Ele usava o sinal da vitória na sua coroa. Veio, e nos levou Adão, Noé, Moisés, Abraão, David, Israel, Raquel e vários outros que ele escolheu. E deves saber, antes que essas almas fossem levadas, nenhuma outra alma humana havia alcançado a salvação.
Não paramos de caminhar enquanto ele falava, mas continuamos pela selva, digo, a selva de espíritos. Não tínhamos nos afastado muito do ponto onde eu acordei, quando vi um fogo adiante, um hemisfério de luz que iluminava as trevas. Mesmo de longe, pude perceber, que aquele lugar era habitado por gente honrosa.
- Ó mestre que honras a ciência e a arte, quem são esses, privilegiados, que vivem separados dos outros aqui? - perguntei.
- O nome honrado que ainda ressoa no teu mundo lá em cima, encontra a graça no céu que o favorece aqui.
Mal ele terminara de falar, ouvi um chamado que partiu de um dos vultos iluminados:
- Saudemos o altíssimo poeta. - gritou a alma - Sua sombra que havia partido já está de volta!
Depois que a voz se calou, vi quatro grandes vultos se aproximarem. Os seus rostos não mostravam tristeza, mas também não mostravam alegria. Virgílio os apresentou:
- Este é Homero, poeta soberano, o outro é Horácio, o satírico, Ovídio é o terceiro e por último, Lucano.
Quando chegamos até eles, o mestre falou-lhes em particular e depois eles me saudaram, tratando-me com deferência, incluindo-me como o sexto do seu grupo.
Prosseguimos, então, os seis, até finalmente chegarmos ao local de onde emanava a luz. Lá se erguia um nobre castelo de muros altos, cercado por um belo riacho. Sete muros o cercavam. Nós passamos sobre o riacho como se fosse terra dura, depois, sete portões atravessamos até chegarmos a um verde prado, onde muitas outras pessoas conversavam. De lá mudamos para um local aberto, luminoso e alto, onde podíamos ter uma visão completa de todos. Reconheci várias grandes figuras como Enéas, Heitor e César, Aristóteles, Sócrates e Platão, Orfeu, Heráclito, Tales, Zenão, Ptolomeu e muitos outros. Exaltou-me a possibilidade de poder encontrar todos esses espíritos, cuja sabedoria enchia de luz aquele lugar sombrio. Havia mais. Muitos. Tantos eram, que não posso aqui listar todos.

Dante, Homero, Lucano, Virgílio e outras grandes figuras da Antiguidade. Ilustração de Gustave Doré (séc. XIX)
De todos, no final, restamos só eu e Virgílio, pois nossa jornada nos impelia adiante. Chegamos, então, a um lugar onde nada mais reluzia.

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